quarta-feira, 1 de maio de 2019

UM TEXTO DE JOSÉ MARIA DA COSTA SOBRE A VIDA EM RIBEIRÃO PRETO


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Em 25 de janeiro de 1966, eu chegava a Ribeirão Preto. 
Faz, assim, mais de quarenta anos que estou aqui, onde, ao que tudo indica, haverei de passar o resto de meus dias. 
Já vivi nesta cidade mais de dois terços de minha existência. 
Aqui terminei meu colegial (o antigo clássico, lembram-se?). Aqui cursei Direito, Letras e Pedagogia. 
Aqui fui bancário, professor, advogado, juiz de direito e hoje, de novo, advogado. 
Aqui encontrei minha outra metade e me casei. 
Aqui tivemos nossas filhas, que também aqui cresceram e foram educadas. 
Aqui sempre tive o meu CEP, mesmo nas épocas em que, transitoriamente, estive fora por questões profissionais.
Quando cheguei, morava nos Campos Elíseos, na Avenida da Saudade, proximidades da Igreja Santo Antônio. 
Estudava no Colégio Estadual Santos Dumont, então última construção da Vila Tibério. 
Por questões de orçamento, eram quatro ou cinco quilômetros de caminhada de ida para a escola e outros tantos de volta todos os dias, incluindo o sábado.
O sangue da vida da cidade, então, corria pelas artérias do centro, delimitado pelas Avenidas Nove de Julho, Jerônimo Gonçalves, Francisco Junqueira e Independência. 
Em casa, na escola, ou qualquer outro lugar, quando se falava em “ir para a cidade”, a referência era esse quadrilátero. 
Nele estava o comércio principal, as faculdades, os cursos complementares de línguas, a Sorveteria do Geraldo, os eventos de cultura. 
Nele também moravam diversos dos nossos professores: a Ely Vieitez, o Vicente Teodoro de Souza (o Vicentão) e o Célio de Freitas Costa, de Latim. 
Gente! Como estou velho! 
Sou do tempo em que se ensinava Latim! 
No salão da Igreja Presbiteriana da Barão do Amazonas, treinávamos peças de teatro amador. 
Época de ditadura militar, pela praça central, proximidades do Teatro Pedro II, os estudantes eram ameaçados pelos policiais: “Vamos circular! Vamos circular!” 
Quando a aglomeração era maior e previsível que haveria manifestação, os jovens, perseguidos pela cavalaria, lançavam rolhas e bolinhas de gude para atrapalhar-lhes a corrida. Quando a situação ficava ainda mais séria e não bastava tentar sumiço entre as gôndolas das Lojas Americanas, a correria tinha por alvo o Palácio do Bispo, na Praça da Catedral, onde normalmente se encontrava acolhida, e a Polícia, em nome do Sagrado, respeitava o território eclesiástico. 
Foi também no centro que alguns colegas e amigos foram retirados de circulação pela Ditadura, alguns por uns tempos, outros para sempre... 
São tantas as histórias e as lembranças... 
Na esquina da Visconde do Rio Branco com a Tibiriçá, antigo SENAC, aos dezenove anos, passei a dar regularmente minhas primeiras aulas de Português, então contratado pelo Professor Laércio Zucoloto. 
Na esquina da Álvares Cabral com a Américo Brasiliense, em frente ao Correio, também tive, mais tarde, o meu primeiro escritório de advocacia, em sociedade com o Flávio Condeixa Favaretto, de onde, em momentos de espairecer, presenciava pela janela o “seu” João Garapeiro esbanjando simpatia e vendendo seu precioso caldo de cana... 
As histórias são muitas e vivas. 
E esse passado não é um esqueleto de assombrar cidade morta. 
Continua a arder, embora sob a cinza do descuido de alguns. Mas pode reviver: basta o sopro da boa-vontade de todos. Basta não esquecer que a vida continua lá.

Texto de José Maria da Costa publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07.

POSTADO POR LAU BAPTISTA/
QUINTA-FEIRA, 12 DE NOVEMBRO DE 2009.

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