Escravidão em Cananéia
– A escravidão deixou marcas indeléveis em nossa formação histórica. Alguns, como Rui Barbosa, até tentaram “apagar” esse passado negro mandando queimar documentos, o que, além de não surtir efeito, ainda privou os historiadores de importante material de pesquisa. Colocados à margem da sociedade, escravos e libertos, muitas vezes, demonstravam pelos jornais a sua revolta contra a servidão. Como Francisco Mandira, de Cananéia, que assim protestou quanto ao cativeiro de sua esposa Teresa, cujo desabafo foi publicado no semanário “Commercio de Iguape”, nº 188, de 26-9-1879: (ortografia original)
“Quando a justiça reflecte os seus dourados raios de sabedoria, o povo que tem necessidade de garantias aos seus direitos individuaes inunda-se de vida, por que ve-se mantido na ordem da creação. É assim que minha mulher nascendo de ventre livre na Costa d’Africa e para este imperio sendo criminosamente importado como um objecto de commercio, mas commercio illicito, foi retirado clandistinamente do bordo do navio que a conduzio á este porto e submittido a um injusto captiveiro durante quasi meio seculo, seguindo todos os seos filhos a mesma desditosa sorte della, até que para a mesma, no dia 3 deste mez, mez da independencia dos brazileiros, e no em que foi decretado que no Brazil ninguem mais nasceria captivo, dissiparão-se-lhe as espessas trevas em que se ocultava a sua condição de pessoa livre, proferindo-se a aluminosa sentença infra. Francisco Mandira, Cananéa, 16 de Setembro de 1879.”
Eis a sentença, na ortografia original, também publicada no citado semanário:
“Vistos e examinados estes autos de acção de liberdade, em que são auctores Theresa e seos filhos, e reus o collector das Rendas, o curador da herança e (...) José de Andrada, articulado a folhas & &. julgo provada a acção proposta para o fim de declarar isento de escravidão a autora e seus filhos, visto estar provado dos autos pelo depoimento de fls. 29 á 35 v., que a mesma autora fora importada da Costa d’Africa em data posterior a lei que prohibio o trafico, qual seja a lei de 7 de Novembro de 1831; e entretanto, foi a autora importada no anno de 1838.
“Por parte dos réus, nenhuma allegação foi produsida de modo a illidir a intenção dos autores, e com quanto incidentemente os autores alludão em suas razões de folhas a questão prejudicial de fôro sucitada em processo preliminar de deposito, com tudo este juizo entende que semelhante materia só poderia ser deduzida pelos réus – por via de excepção nos precisos termos da Ord. Liv. 3º, tit. 49, que está de harmonia com o artigo 75 do Reg. nº 737 de 25 de Novembro de 1850, e delle não tomo conhecimento. Iguape, 3 de Setembro de 1879. José Xavier de Toledo (Juiz de Direito).”
Esse José Xavier de Toledo (1847-1918), jurista ilustre em seu tempo, que foi casado com a escritora Zalina Rolim (1869-1961), era filho do coronel Francisco de Paula Xavier de Toledo, nome da famosa rua do centro de São Paulo.
“Quando a justiça reflecte os seus dourados raios de sabedoria, o povo que tem necessidade de garantias aos seus direitos individuaes inunda-se de vida, por que ve-se mantido na ordem da creação. É assim que minha mulher nascendo de ventre livre na Costa d’Africa e para este imperio sendo criminosamente importado como um objecto de commercio, mas commercio illicito, foi retirado clandistinamente do bordo do navio que a conduzio á este porto e submittido a um injusto captiveiro durante quasi meio seculo, seguindo todos os seos filhos a mesma desditosa sorte della, até que para a mesma, no dia 3 deste mez, mez da independencia dos brazileiros, e no em que foi decretado que no Brazil ninguem mais nasceria captivo, dissiparão-se-lhe as espessas trevas em que se ocultava a sua condição de pessoa livre, proferindo-se a aluminosa sentença infra. Francisco Mandira, Cananéa, 16 de Setembro de 1879.”
Eis a sentença, na ortografia original, também publicada no citado semanário:
“Vistos e examinados estes autos de acção de liberdade, em que são auctores Theresa e seos filhos, e reus o collector das Rendas, o curador da herança e (...) José de Andrada, articulado a folhas & &. julgo provada a acção proposta para o fim de declarar isento de escravidão a autora e seus filhos, visto estar provado dos autos pelo depoimento de fls. 29 á 35 v., que a mesma autora fora importada da Costa d’Africa em data posterior a lei que prohibio o trafico, qual seja a lei de 7 de Novembro de 1831; e entretanto, foi a autora importada no anno de 1838.
“Por parte dos réus, nenhuma allegação foi produsida de modo a illidir a intenção dos autores, e com quanto incidentemente os autores alludão em suas razões de folhas a questão prejudicial de fôro sucitada em processo preliminar de deposito, com tudo este juizo entende que semelhante materia só poderia ser deduzida pelos réus – por via de excepção nos precisos termos da Ord. Liv. 3º, tit. 49, que está de harmonia com o artigo 75 do Reg. nº 737 de 25 de Novembro de 1850, e delle não tomo conhecimento. Iguape, 3 de Setembro de 1879. José Xavier de Toledo (Juiz de Direito).”
Esse José Xavier de Toledo (1847-1918), jurista ilustre em seu tempo, que foi casado com a escritora Zalina Rolim (1869-1961), era filho do coronel Francisco de Paula Xavier de Toledo, nome da famosa rua do centro de São Paulo.
O “Commercio de Iguape”, nº 224, de 6-6-1880 publicou interessante matéria sobre Cananéia, dando conta de uma antiga manifestação cultural da região, o batimento de arroz:
“Communicão-nos d’esta villa, o seguinte: A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!
“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, – é a razão de haver esse despeito.
“Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta.
“E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.”
Communicão-nos d’esta villa, o seguinte: “A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!
“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, é a razão de haver esse despeito. Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta. E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.”
“Communicão-nos d’esta villa, o seguinte: A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!
“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, – é a razão de haver esse despeito.
“Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta.
“E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.”
Communicão-nos d’esta villa, o seguinte: “A policia, incorrigivel como sempre, na noite de 1º do corrente, patrulhando Bernardo Franco e Antonio Marques, este aggrediu á Jesuino Lisboa, cujo traseunte repelliu a aggressão. Com os gritos etc., accudirão para mais de 20 e tantas pessoas que se achavão batendo arroz em uma casa á rua da Bôa Vista, e como o povo ha tempos vive despeitado com esses celebres mantenedores da ordem publica, defenderão ao traseunte, cuja defesa causou um conflicto entre as praças destacadas, de modo que quasi houve morte, em razão das tantas bordoeiras que derão sobre as praças!
“Pobre policia! E porque ora acontece essas cousas? – Porque a policia tendo prohibido na villa o batimento de arrozes colhidos no bairro, é a razão de haver esse despeito. Os pacificos cidadãos assustaram-se, porque a continuar essas cousas em tal estado, breve veremos uma sublevação contra as praças da cadeia. Deus queira que eu minta. E’ preciso chamar-se a séria attenção do dr. chefe de policia e bem como acabar-se com essa questão, – se é da competencia da Camara Municipal ou da policia prohibir em conceder licenças para fandangos ou batimento de arroz.”
(in “Commercio de Iguape”, nº 224, de 6-6-1880).
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