quarta-feira, 20 de março de 2019

FATOS/FERROVIAS/PESSOAS/HISTÓRIAS




Na foto de 1912, muita festa e alegria na inauguração da estação de Cajuru: hoje, cem anos depois, tudo é indiferença.

Neste ano da graça de 2012, deveriam ser comemorados os centenários de diversas estações ferroviárias pelo Brasil. Diga o que disser sobre as ferrovias brasileiras, elas e suas estações trouxeram o progresso durante pelo menos cem anos e transformaram este país no que ele é hoje. No entanto, muitas destas estações, como as que descrevo abaixo, são hoje nada: uma delas demolida, outra tão descaracterizada que não lembra em quase nada sua arquitetura original e três em semi-abandono, não estão nenhuma delas à margem de linha férrea alguma: linhas que foram retiradas sem nenhum motivo claro para terem seu tráfego transferido para estradas próximas - algumas nem isso - hoje perigosas e repletas de acidentes por excesso de tráfego e falta de manutenção, fora o fato que priorizam o transporte individual e não mais o coletivo.
Abaixo, cito algumas dessas estações centenárias - cinco, ao todo, quatro da Mogiana, uma da Paulista, nomes também que vão desaparecendo com o tempo. Os textos foram adaptados das páginas sobre essas estações de meu site www.estacoesferroviarias.com.br

Esta primeira estação relacionada faria centenário exatamente no dia de ontem, 8 de dezembro; as uotrsa quatro já o teriam completado no decorrer deste ano. Trata-se da de Cajuru: O jornal O Estado de S. Paulo de 25/9/1911 escrevia que "já estão iniciados os trabalhos do nivelamento do terreno em que será construída a estação da Companhia Mogyana nesta cidade (de Cajuru)". Realmente, a estação foi inaugurada em 8 de dezembro de 1912, como ponta do ramal. Durou cinquenta anos funcionando: foi fechada em 16/9/66, com o fim do trecho do ramal entre Amália e Cajuru. Depois disso, foi totalmente descaracterizada, numa reforma que a transformou na estação rodoviária da cidade.
A estação de Frigorífico foi aberta como um posto telegráfico em 1912 e transformada em estação em 10/3/1921. Da estação saía um ramal de bitola larga, pertencente ao Frigorífico Anglo, com 4 km divididos em sub-ramais para o transporte de gado e de carne. Este ramal deu o nome para a estação. Em 1957, esse frigorífico abatia "a quase totalidade do gado produzido em um raio de mais ou menos 500 km, o que tornou necessário o desenvolvimento de invernadas de engorda para o gado levado a pé para o mercado de Barretos (por toda essa distância)". Os trilhos dos desvios ainda existiam em fins de 1999, em pequena parte de seu percurso, cobertos pelo mato. Nesse dia em que estive lá e fotografei, somente sobravam a plataforma e as fundações da estação, já tomadas pelo mato. Ao lado, um trator recolhia entulho e tijolos deixados pela provável demolição recente de alguma casa remanescente da antiga vila. Em 2004, a variante construída fora de Barretos, em 2003, eliminando os trilhos da área urbana da cidade, tirou o velho pátio da linha.
A estação de Guaranésia era a primeira do ramal de Passos, distando 15 quilômetros da estação inicial do ramal de Guaxupé. Foi inaugurada em junho de 1912, permanecendo por dois ou três meses como ponta do ramal, até ele ser prolongado até Catitó. Maurício Torres, em 2001, contava que "Guaranésia é a cidade onde meu pai nasceu. Embarquei e desembarquei nessa estação muitas vezes. Minha familia é original de Três Pontas, MG. Meus bisavôs Andre Torres (português) e Elisa Becker (alemã) tiveram 5 ou 6 filhos, entre eles meu avô, Pedro. Quando meu avô ainda era pequeno, a família foi tentar a vida em Ipaussu, SP. Meu bisavô, alarmado com a alta incidência do que eles chamavam de "maleita" (malária), resolveu retornar para Minas, mas não para Três Pontas e sim para Guaranésia, que na ocasião ainda se chamava Santa Bárbara das Canoas (antes de 1901, portanto). Meu pai Dorivaldo, o último de uma fila de 10 irmãos, nasceu em 3/10/1930, dia da eclosão da revolução que acabou com a República Velha e instaurou o governo de Getulio Vargas. Como Guaranésia está a poucos quilômetros da divisa com São Paulo, a cidade foi rapidamente tomada por tropas revolucionárias mineiras; a população em pânico se escondeu onde era possível e minha avó deu a luz a meu pai no porão da casa. Houve correrias e tiros foram trocados entre os revolucionários e a incipiente guarnição policial local. Um dos tiros passou pela janela do porão onde minha família se escondia e quase acertou minha tia Alice, ainda bem pequena, abrindo um rombo na parede, logo atrás dela. Segundo meu avô, a Mogiana chegou em Guaranésia no mesmo ano em foi inaugurada a energia elétrica, fornecida pela usina hidrelétrica de Caconde, SP. Na inauguração da estação houve os festejos de praxe e o primeiro trem, procedente de Guaxupé, trazia o Eng. André Reboucas à frente da locomotiva, em pé sobre o parachoques. A rua que liga o centro da cidade à estação tem, por isso o nome de Avenida Rebouças. Meu avô era proprietário de uma mercearia ("venda", como são chamados estes estabelecimentos no interior) e sempre mencionava o fato de que grande parte dos produtos manufa-turados que ele vendia vinham de trem. Era comum ir de carroça até a estação para receber as mercadorias despachadas pelos fornecedores, cujos pedidos eram tirados pelos vendedores ("viajantes"), que passavam por lá uma vez por mês, também com o trem. Interessante notar que na época as garrafas de cervejas e refrigerantes (já da Antarctica) vinham embaladas em caixas de madeira, protegidas individualmente por folhas de palha de milho. Estas bebidas eram vendidas a temperatura ambiente, pois eram raros os estabelecimentos que possuíam algum tipo de refrigeração. Como Guaranésia sempre foi uma cidade muito pequena, as escolas locais somente proporcionavam ensino ate o nível ginasial. Um irmão menor de meu pai, o único de todos que conseguiu frequentar a universidade onde se tornaria médico teve que cursar o colegial na cidade vizinha de Guaxupé. Ele diariamente tomava o trem pela manha e retornava à tarde, utilizando os passes mensais que a Mogiana vendia. Como as perspectivas de melhoria de vida eram muitíssimo limitadas em Guaranésia, era muito comum os mais jovens deixarem a cidade para tentar a vida em São Paulo, Campinas ou Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Isso acontecia com freqüência, a exemplo de minha família, onde somente um de meus tios permaneceu por lá. Assim, alguns matutos ao virem para São Paulo, muitas vezes viajavam de trem pela primeira vez na vida. Houve casos de passageiros que na hora de fazer a baldeação em Casa Branca se equivocavam e tomavam o trem que voltava para Passos (ao invés do trem para Campinas), e após muitas horas de viagem estavam de volta em Guaranésia... De um bando de primas que meu pai tinha, a única que conseguiu se casar morreu logo depois juntamente com o marido, quando o carro em que estavam foi colhido por um cargueiro da Mogiana, numa passagem de nível perto da cidade. A primeira vez em que fui à estação foi em 1971, ainda como Mogiana. Depois de muito insistir, meu tio me levou ate lá para ver a chegada do trem da tarde, que vinha de Casa Branca, Campinas e São Paulo. Era uma composição de três carros de madeira (primeira, com buffet, segunda e carro-bagagem) rebocados por uma GL8. Nada impressionante em termos ferro-viários, mas, enfim, era a Mogiana, ao vivo e em cores. A viagem de São Paulo a Guaranésia tinha cerca de 350 km e durava aproximadamente oito horas. Circulavam pelo ramal de Passos quatro trens de passageiros por dia, um diurno e um noturno em cada sentido. Também havia duas litorinas, mas estas somente iam até Guaxupé. Nos trens diurnos, havia baldeações em Campinas (da Mogiana para a Paulista) e Casa Branca-nova, do tronco para o ramal. Nos trens noturnos havia baldeação somente em Campinas, uma vez que o trem do ramal de Passos (NP1) já saía de lá ligado na cauda do N1, que era o noturno que corria no tronco, de Campinas a Araguari. Em Casa Branca-nova as composições eram separadas. Também corria um carro dormitório de Campinas a Guaxupé, que foi suprimido logo apos a criação da Fepasa, em fins de 1971. Originariamente as composições do ramal eram compostas de carros de madeira, sendo posteriormente substituídos por carros de aço pintados de azul e branco, da Fepasa. Estes carros de aço eram aqueles construídos pela Mogiana, embora tenham circulado por lá alguns "Ouro Verde" ex-Sorocabana, igualmente pintados de azul e branco. É interessante mencionar que havia um carro Ouro Verde, ex-restaurante, transformado pela Fepasa em carro de primeira com buffet, especialmente para circular nesse ramal. A tração ficava sempre a cargo das GL8, já que as G12 eram muito pesadas para aquela linha. Em 1976 a Fepasa suprimiu boa parte dos trens de passageiros dos ramais, e ali passaram a circular somente os noturnos. Em 1977, uma pequena ponte próxima a São José do Rio Pardo foi destruída pelas chuvas e este fato foi usado como pretexto para interromper de uma vez o tráfego no ramal. Desde então, o ramal ficou praticamente abandonado, circulando apenas os trens de cimento entre S.Sebastião do Paraíso e Itaú de Minas, procedentes de Ribeirão Preto, pela linha da antiga São Paulo-Minas. Em 1985, na última vez que estive na cidade, a estação de Guaranésia estava totalmente abandonada, porém ainda com os trilhos. Todas as passagens de nível dentro da cidade já haviam sido asfaltadas pela prefeitura local. Nessa mesma época, a estação de Guaxupé ainda estava ativa, porém despachando cargas via rodoviária, já que a mesma estava isolada pela via ferroviária. O pátio estava abandonado, assim como o depósito de locomotivas que lá havia" (Maurício Torres, 12/2001). Os trilhos foram retirados por volta de 1990. "A estação hoje está abando-nada. uma senhora que mora na vizinhança me disse que lá funciona uma creche, um tipo de centro de recreação para tirar as crianças das ruas; isso explica as traves de futebol improvi-sadas. mas um ex- telegrafista da fepasa, hoje aposentado, que mora em frente à estação, disse que não é bem assim ­ a casa é ocupada por andarilhos ocasionalmente, mas está abandonada; o centro de recreação quase não funciona, é mais uma desculpa, uma tentativa da comunidade de preservar o local como seu patrimônio. está em mau estado de conservação, com portas e janelas quebradas, e está sem trilhos" (Rossana Romualdo, 07/2001).
A estação de Catitó foi inaugurada em 1912 e recebeu o nome da fazenda dentro da qual se situa até hoje. A estação foi desativada em 1976, quando por ali passou o último trem de passageiros do ramal, porém sempre esteve bem conservada. Ali fica hoje o escritório da fazenda, um depósito e também serve de moradia para uma família. Embora a estação ainda tenha trilhos à sua frente, eles são apenas decoração; todo o restante foi retirado. Como estará o prédio hoje?
A estação de Itiguassu foi inaugurada em 1912, permanecendo como ponta de ramal por alguns meses, até que se inaugurasse a estação de Monte Santo, quatorze quilômetros à frente. Em 4/5/1968, a Mogiana fechou a estação e a transformou em parada. Em 1986, a estação já estava em péssimas condições. Hoje, serve de moradia; em 2003, o mato que cresce em volta quase tomava conta da velha plataforma, mas o prédio continuava firme, apesar de um pouco descaracterizado. Maria Tereza Paulino Costa contava em 2004 que "meu avô, e depois meu pai, tinham uma serraria bem em frente à estação de Monte Santo e eu tinha um prazer enorme em ver os trens chegando. Quando tinha uns 12 anos, minha prima e eu comprávamos um bilhete até a estação Itiguaçu, que era na fazenda do pai dela, lá descíamos e caminhávamos até a sede para passar o dia".

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