Um pouco antes da fundação de Juquiá, o Município de Cananéia possuía, mais ou menos, dois mil habitantes.
Tinha sete a oito engenhos, com um insignificante comércio e pouca agricultura, mas encerrava uma das mais ricas histórias do Brasil.
Em 1810, Cananéia já havia perdido todo o seu grande esplendor.
Nos limites da linha divisória estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas nasceu aquele povoado, disputado por Portugal e Espanha.
Quando São Vicente foi fundada, no ano de 1532, somente existiam em toda a faixa do litoral paulista três núcleos ou agrupamentos, constituídos por náufragos e degredados europeus, sendo Cananéia o mais importante e já por esta época existiam cerca de duzentos habitantes, inclusive mestiços, pois que, quando Martin Afonso chegou ao lugarejo, em agosto de 1531, já encontrara o “Bacharel”, que a mais de trinta anos ali vivia entre os tupis, com cinco ou seis castelhanos.
A fundação da vila originou-se do “Sítio Boa Vista”, na Ilha Comprida, recebendo o nome de Maratayama, nome do chefe indígena local, ali se conservando até o início de 1600, quando foi transferida para a Ilha de Cananéia.
Na colônia, foi a cidade que mais prosperou! Ali se desenvolveu a pesca e nos seus importantes estaleiros construíram-se inúmeras embarcações.
Havia um comércio próspero com a Europa e as colônias do sul.
Antigo porto dos tupis, a povoação de São João Batista de Cananéia já era vila quando foi criada a comarca de São Paulo, em 1700.
No pátio de frente para a velha igreja existe um meridiano, ali instalado em 1554 pelo jesuíta Pedro Corrêa.
Nos primórdios da colonização do Brasil, Iguape era tão ou mais antiga que Cananéia.
O nome foi originário da língua tupi-guarani, pelo qual é
conhecida a planta aquática “aguapé”, encontrada em profusão nas voltas remansosas do Rio Ribeira.
A cidade vivia, ainda, numa época faustosa, em decorrência da descoberta do ouro de aluvião Ribeira acima e que deu historicamente o início do ciclo do ouro no Brasil.
Após dezenas de anos desta exploração, quis o império que ali se implantasse uma casa de fundição. Posteriormente, muitos faiscadores e moradores de Iguape abandonaram suas fazendas e rumaram para a fundação do povoado de Curitiba, visto que ali se descobriram algumas jazidas deste precioso metal.
Novamente, anos depois, já no final do século XVII, quando se descobriram as minas gerais, outras levas de moradores abandonaram a cidade e para lá partiram.
As estreitas ruas da cidade de Iguape eram ladeadas por filas de casarões. Os velhos sobrados, com suas sacadas ornadas com gradis de ferro, importados da Europa, e caprichosamente trabalhados, com suas sólidas paredes de pedras e cal ou de taipas, fixados com óleo de baleia; com assoalhos trabalhados a enxós na dura madeira de caneleira e vitrais múltiplos e coloridos, testemunharam a importância que se revestia a cidade, movimentado porto de mar, que se encontrava em apogeu, com diversos estaleiros e, na exploração do ouro e nas várias culturas, principalmente a do arroz, que despontava e dinamizava com grande virtude todo o comércio local e regional.
A excelência de suas terras, as riquezas do subsolo, as extasiantes paisagens que se apresentavam aos olhos dos viajantes e a floresta tropical, em toda a sua pujança, sulcada de rios, ribeirões e pequenos regatos, que regam o vale imenso, traziam trabalhadores operosos e aventureiros de todos os rincões do Império.
As únicas vias de transporte que ligavam Iguape aos pontos mais distantes eram os caminhos para cavalos, que cortavam os vastos sertões, e os rios, que se mantinham como melhor meio de locomoção, onde, através dessa ampla rede fluvial expandia-se a agricultura, a pecuária, o comércio e a civilização.
Em 1647, aportou misteriosamente, na praia do Yuna, a imagem do Senhor Bom Jesus, encontrada por dois índios “buçaes” e que, conduzida para a localidade, ficaria conhecida pela posteridade como o santo milagreiro “Bom Jesus de Iguape”.
Já a Fonte do Senhor era um local religioso, pois havia sido ali que a imagem do Bom Jesus teria sido lavada quando a trouxeram da praia do Yuna.
Visitado constantemente pelas pessoas de toda a região, o local era recoberto por uma mata luxuriante, refrescando o olho dágua e o regato, tornando o lugar extremamente agradável para quem quisesse ali matar a sede ou descansar à sombra, após longa viagem.
Existia ainda a lenda que se lhe retirassem pequenas lascas de pedra, estas, com o tempo, cresceriam conforme a fé que lhes fossem dispensadas.
Xiririca
Xiririca em 1908.
Alguns anos antes de 1750, aportaram nas terras de Xiririca os primeiros aventureiros audazes, à caça do precioso metal. Oriundos de Iguape, dentre os vários bandeirantes anônimos do Vale da Ribeira, apareceram quatro irmãos que se tornaram proeminentes na história do futuro povoado. Foram eles: Capitão Romão Pereira Veras, Severino Pereira Veras, Antonio Pereira Veras e Faustino Pereira Veras. Os três últimos, filhos do primeiro.
Fixaram-se todos no sítio “Jaguary”
e estenderam seus ramos genealógicos, entrelaçando-se com as famílias Pontes, Muniz e Antunes, constituindo uma única família, pela consanguinidade de parentesco.
O nome “Xiririca” advém de um pequeno córrego conhecido por Ribeirão de Siririca ou sirirical, cuja etimologia indígena indicava como sendo “taquaras que cortam” e que eram chamadas “jayvaras ou crecyumas”, da língua original.
O nome não agradava aos habitantes do local, que por vezes pleitearam sua mudança, atribuindo a ele todos os males decorrentes da ausência de progresso.
Em 16 de janeiro de 1757, o Capitão Romão doou uma faixa de terras para que ali se erguesse uma capela.
Em 1816, trataram os xiririquenses de mudar a povoação, pois o lugar onde se erigira a primeira capela era excessivamente paludoso e os flagelos seguidos das cheias do Ribeira de Iguape em 1807 e 1809 influíram na escolha do novo local, um pouco rio abaixo e acima da Ilha Formosa, numa parte mais elevada, onde os moradores estavam mais protegidos das cheias.
Muitas famílias, que possuíam parentes em Iguape, ou que achavam esta cidade imune às cheias, decidiram abandonar Xiririca e voltar ao seu lugar de origem familiar.
O Rio Juquiá dividia as Freguesias de Iguape e de Xiririca, sendo a segunda, um Distrito da primeira. Assim, os esparsos moradores do Vale do Juquiá eram fregueses de Xiririca. Esse fato causava um grande problema aos moradores, que não queriam permanecer naquela região por causa da dificuldade dos socorros espirituais, vindos de Xiririca.
Apiahí:
Este povoado havia sido fundado e habitado desde 1630, por gente vinda principalmente do interior paulista, de Iguape e região.
Todas as redondezas desta vila estavam fragmentadas e amontoadas em cascalho e pedras, pois foram duramente exploradas ao extremo.
Numa colina, onde havia sido assentada uma capela, descobriu-se nova reserva de ouro. Para lá partiram centenas de garimpeiros, que abrindo buracos nos barrancos da colina fizeram com que a mesma desmoronasse, matando quase cem pessoas soterradas. Desde então ficou proibido qualquer tipo de escavação no “Morro do Ouro”, como assim ficou denominado o local, e nem nas cercanias da Vila de Apihaí.
JUQUIÁ – rio sujo ou covo para apanhar peixes?
Na etimologia da língua tupi a palavra Juquiá pode advir de três significados: Ju-cui-a – espinho fino de peixe, Juquiab – espinho que contém grude e Y-i-quiá – rio sujo ou armadilha para peixes. O mais usual, em fins do século XVIII, era a denominação Y-i-quiá, cuja corruptela passou a Juquiá. O nome se deve à grande quantidade de armadilhas para apanhar peixes que os indígenas instalavam às margens desse rio. Tais armadilhas eram compostas de paus finos, compridos, palafitados, e atados uns aos outros e que possuía uma entrada para os peixes. A utilização de outras armadilhas para peixes, conhecidas como covos, muito utilizadas no Vale do Ribeira, foram introduzidas na região do Juquiá a partir de 1810 pelos colonizadores brancos que as confeccionavam com ripas de bambus e cipó de imbé ou guaimbé, e cuja técnica de construção foi adquirida com os indígenas do interior brasileiro.
1750 – Início da Colonização do Juquiá
Depois de várias pesquisas na internet, fizemos uma grande descoberta que viria a ser o fio da meada da histórica colonização dessa região e a elucidação do magno acontecimento da fundação da Freguesia de Santo Antonio do Juquiá que até aqui se manteve na obscuridade completa. Pela internet, tentamos de todas as formas descobrir os descendentes de várias pessoas que viveram em Juquiá, a partir de 1813.
Enfim, depois de muito trabalho, contatamos vários membros da imensa família Stokler e ficamos sabendo da existência de um senhor chamado Antunes Stokler Mathias. Semanas depois, conseguimos fazer o primeiro contato com o sexagenário senhor Antunes que mora atualmente no Paraná. Este senhor faz parte da sexta ou sétima geração de Gastão José da Mota Stokler, que auxiliou na construção da primeira Capela do Vale do Juquiá, a de Santo Antonio, no ano de 1830.
Antunes, paranaense de berço, é o guardião de vários registros escritos por seus ancestrais e está construindo a árvore genealógica de sua família. Em virtude da vasta documentação familiar ele também está escrevendo uma obra que discorrerá sobre o bandeirantismo dos Stokler, desde a sua chegada ao Brasil.
Após muita conversa, por telefone, conseguimos que o senhor Antunes Stokler Mathias nos enviasse, via e-mail, algumas datas importantes contidas num vasto documentário escrito por seu ancestral juquiaense e que foi denominado “Annuário Stokler”, pois se trata de registros executados, ano a ano, desde 1822 até 1862, onde se descrevem fatos vivenciados nos inóspitos sertões do Juquiá.
Doravante, vamos fazer comparações entre os registros de Stokler, os registros do padre João Crhysóstomo de Oliveira Salgado Bueno e os atuais depoimentos de João Candido da Silva, descendente de Felipe Fernandes, fundador da Vila de Santo Antonio de Juquiá.
O “Annuário de Stokler”, ano 1824, nos revelou que na metade do século XVIII (1750) os indígenas do Itariri já habitavam aquele lugar e que vivia entre eles, sendo o seu protetor, um homem conhecido pelo nome de Gusmão, que, anos depois (1775) travou amizade com um forasteiro vindo de Iguape e que se chamava Martim.
Depois da morte de Gusmão, que foi vitimado por uma grande cheia do Rio Juquiá, o seu protetorado passou para o companheiro Martim. Nesse mesmo registro, Stokler cita (nos abstemos da comprovação cientifica) como foi formada a lagoa e a ilha que ainda existem ao lado do outeiro da Matriz da Igreja Católica de Juquiá. Gusmão e Martim foram os únicos moradores do Juquiá que tiveram acesso à aldeia dos índios cayuás do Itariri e que podiam transitar livremente pelos rios do lugar sem serem importunados.
“Vive com os do Tariry e delles fazendosse protector hum homem que tomão pelo nome de Martim dos Índios, que hé nascido no Peroupava de Igoape e minerador perdido que quis aqui permmanecer livre de gentes e sem ter de família pessoas alguas e que dantes delle havia aqui hum outro maes velho de nome Gusmão que Martim sefez amigo e que este foi morto antes, na cheia, que dizem os daqui sepos a cortar e separar a lagoa e a isla e que alli vivia o velho antes de Martim e fazia dos índios do Tariry o seo primeiro protector que vivia em partilha de vida com os índios. As gentes querem bem a Martim, que tem elle perto de 50 annos e que cuida de manter os índios em paz e sem estripulias”. Stokler – 1824. (...) Disserão os maes antigos do logar que dezenas de annos antes, no tempo do Gusmão velho que alli vivia e morreo e antes de Martim e João Martins da Silva, o rio naquelle trecho tomava o formato de hu’a ferradura”. Stokler – 1830.
1800 - O Vale do Juquiá Pertence a Xiririca.
No início de 1800 a Barra do Rio Juquiá dividia as Freguesias de Iguape e do seu Distrito Xiririca. Os poucos moradores do Vale do Rio Juquiá não permaneciam ali mais do que uma safra de lavoura e encontravam muitas dificuldades para se locomoverem através de grande distância, até a Freguesia de Xiririca, a quem pertenciam e onde se casavam, batizavam, crismavam e onde deveriam ser sepultados.
Diante da grande distância, os ribeirinhos juquiaenses, quando faleciam, eram enterrados nos sertões, pois a viagem demandava mais de cinco dias, só de ida.
Dessa forma, aqueles moradores nômades começaram a se manifestar diante do Bispo de São Paulo, requerendo pertencer à Freguesia de Iguape, alegando ser esta viagem muito mais amena e confortável, onde também se poderia com mais facilidades receber os misteres religiosos.
A intenção maior, não era simplesmente a facilidade de locomoção, visto que subindo ou descendo o Ribeira, as distâncias entre as duas Freguesias eram quase as mesmas, mas sim alcançarem futuramente a invejada posição de Distrito e Freguesia. Se continuassem a pertencer ao Distrito de Xiririca, jamais poderiam almejar tal façanha e nunca poderiam se fixar àquela terra.
Consta do Livro Tombo, da Basílica de Iguape, que o primeiro requerimento ao Bispo de São Paulo, Dom Mattheus, foi por este deferido ao único morador do Juquiá e remetido para a Paróquia de Iguape:
“Exmo. Rmo. Sor.
Diz João Martins da Silva, morador único no Rio Juquiá (o grifo é nosso), que elle Supplicante tem grande detrimento, e risco de sua alma em ser freguez da Freguezia de Xiririca, não só pella distancia ser maior, do que de Iguape, como também ser a navegação muito mais custosa, e difficíllima, quando vem agôas do monte: que não sucede para Iguape; por ser Ribeira abaixo, e parte della com maré, motivo este, porque no dicto Rio Juquiá, ninguém quer ir habitar pella difficuldade, que há dos socorros espirituaes vindos de Xiririca; apezar da fertillidade do dicto rio. E a barra deste rio faz a divisão das duas Freguezias; porém, Exmo. Senhor os moradores delle devem pertencer a Iguape, em quanto não se erigir outra, que fique entre as duas; de que tanto se necessita para hum, e socorro espiritual daquelles pobres moradores; por tanto: Pede a Vossa Exma. Rvma se digne mandar, à sima expõem, e Receberá Mercê.
Concedemos na forma, que requer.
São Paulo, 22 de maio de 1813.
Dom Mattheus Bispo”.
Como o Bispo concedesse o pedido a João Martins da Silva, dois anos mais tarde novos moradores do Juquiá, em grupo maior, resolveram enviar outra correspondência para São Paulo. Pensavam eles, acertadamente, que insistindo com aquela autoridade religiosa, com certeza, conquistariam uma expressiva vitória política.
Que, realmente, não tardou em acontecer!
Vejamos o segundo requerimento:
“Exmo. e Rvmo.
Dizem Bento Lopes, Jozé Corrêa, Antonio Garcia, Catharina França, Anna França, Gertrudes Pereira, Felipe Garcia, he Lourenço Fernandes, que elles forão de novo situar-se no Rio Juquiá do destricto de Iguape, vizinhando com João Martins, sendo antes todos elles moradores vizinhos do dicto rio, o qual fica mixto à divisão das duas Freguezias Iguape, Xiririca, pertencendo este rio ao destricto de Xiririca, onde hé muito penoso aos Supplicantes procurarem os socorros espirituaes, pela longitude, e difficuldade de ser precizo tranzitar Ribeira à sima, allém de mais de dia e meio de viagem que tem da Barra do dicto Rio aos lugares dos Sítios dos Supplicantes; he por isso lhes hé muito diffícil serem freguezes da dicta Freguezia, he da mesma forma hé muito onerozo do R. Parocho, (he da mesma) assistir aos Supplicantes com os mesmos socorros espirituaes, o que não acontece sendo freguezes de Iguape; por ser Ribeira abaixo, he parte della com maré: motivo este porque no dicto Rio Juquiá não tem ido habitar pessoa algua, sennão os Supplicantes, por pobreza he mizeria, para gozarem da fertillidade do dicto Rio na esperança de alcançarem de Vossa Exma. Rvma. A graça de serem freguezes de Iguape, assim como alcançou o seu vizinho João Martins pella Supplica junta; por tanto: Pedem a Vossa Exma. Revma. Seja servido mandar, que os supplicantes sejão freguezes de Iguape, para alli procurarem os socorros da Igreja, suas Desobrigas, he o mais que hé necessário em attenção ao exposto, he Receberão Mercê.
Concedemos na forma, que requereram.
São Paulo 08 de maio de 1815.
Dom Mattheus Bispo”.
Os dois pedidos concedidos premiaram a insistência dos obstinados e raros ribeirinhos juquiaenses, que então passaram a pertencer à Freguesia de Iguape.
1822 – Gastão Stokler Chegava ao Juquiá
Em 12 de outubro de 1822, em troca de uma dívida, o senhor Gastão José da Mota Stokler adquiriu, somente dando vistas a um mapa, uma área de terras no Vale do Rio Juquiá. Esse bandeirante, juntamente com a família, decidiu viajar a bordo de um navio até Iguape.
“Por accordo que acceitei adherir duma dívida que tinha por receber comprousse neste 12 de outubro de 22 hu’a gleba de terras na província de São Paulo. Martha trouxe co’ella hum mappa do logar. Tratasse de hu’as terras de 60 ares no Valle do Rio da Ribeira, ao sul da província, num seu affluente rio asima. Chamão o dicto rio de Juquiá que é poucco ou nada occupado com lavouras. Por esses dias tomaremos navio de Paranaguá até hu’a cidade chamada Igoape de beira mar”. Stokler – 1822.
No terceiro dia de sua chegada à cidade de Iguape a familia Stokler iniciou a subida do Rio Ribeira e Juquiá. Por serem, parte do Ribeira e toda a extensão do Juquiá, muito rasos e desconhecidos, a viagem rio acima foi realizada a bordo de canoas previamente contratadas.
“Chegamos no Juquiá no 28 de novembro. Na accasião transpusemos de Paranaguá a Igoape em hum bom navio e nos accomodamos dous dias num hospedeiro português nesta cidade de Igoape que é mui grande e maior movimentada. Ao terceiro do dia fizemos ao rio (sic) porque hé mui custoso e não cabem alli navios grandes e não vae o dicto rio attender também os barcos maiores com viajantes de rio asima. Despos de sahir de Igoape forão quatro dias e meio que levamos com duas das cannoas tocadas a guias”. Stokler – 1822.
Logo que chegaram ao seu destino final, os Stokler perceberam o quanto inóspita e desconhecida era a região do Juquiá.
A esposa Martha e os filhos espantaram-se com os perigos do lugar, embora todos concordassem com a fertilidade das terras, observando que estas se tornavam alagadas nas épocas das chuvas. Contudo, eles não desanimaram...
“O Juquiá hé cercado de matas altas e mui juntas que não se vio sítios alli formados e pouccas pessoas vimos nas margens. Hé tão izolado que as creanças e Martha de facto virão mui perigo de soffrer quem d’alli permmanecer. A terra conquanto hé boa e grossa. O sítio recommendado hé da metade plano e da metade são morros mui baixos. Nas chuvas fortes o baixio enche d’ágoas, tem muitas plantas nos brejos onde lhe daremos cabo em attenção daquella ágoa parada em dous mezes. Demarcamos os terrenos nossos e fizemos hu’a guarida poucco authentica com o que se tinha e podia”.Stokler – 1822.
Em pouco tempo os Stokler passaram a conhecer seus vizinhos, que moravam muito distantes entre si. João Martins da Silva foi mencionado por Gastão Stokler como sendo um dos mais antigos moradores do Juquiá, depois de Gusmão e Martim. João Martins da Silva seria, ainda segundo Stokler, o pai de dona Joanna Maria de Jesus, futura proprietária da Fazenda Moraes, atual bairro de Jaraçatiá, em Miracatu, e pai, também, de João Martins da Costa, primeiro proprietário do Sitio do Pozo Alto, Juquiá acima.
“Nessas terras do Juquiá existem pouccas gentes nella habitando. Dizem os vizinhos que della se occupou primeiramente e efectivamente quinze annos antes dos tempos actuais hum senhor de nome João Martins da Silva vindo de terras do Ribeira asima de logar por terras conhecidas de Apiahí donde mui grande porção de ouro levanctou com pouccos escravos seos e que sefez vir ao Juquiá acompanhado da esposa e dum filho seo que chamão de João Martins da Costa e que mora elle no sitio de vizinho do Pozo Alto”. Stokler – 1822.
1823 – A União das Famílias do Juquiá.
Em virtude das dificuldades encontradas nestes antigos sertões, os sitiantes, mesmo morando a grande distância um dos outros, ensejavam uma convivência saudável e duradoura. Dessa forma, o auxilio mútuo era uma constante entre os povos do lugar. Em pouco tempo os Stokler puderam cultivar as suas terras e passaram a contar com uma boa casa palafitada, dentro dos padrões dos ribeirinhos locais, graças ao sistema de mutirão, utilizados até poucos anos atrás, quando então os vizinhos se reuniam e ficavam até quase uma semana trabalhando numa propriedade previamente escolhida. Além disso, os sitiantes, todos muito pobres, presenteavam-se constantemente com o que tinham em excesso e, na ausência do dinheiro, o escambo era a moeda de negociação mais freqüente.
“Alguas pessoas do Juquiá vierão ter em nossas terras em alliança e unnião. Hu’a gente mui boa e de bom trabalho, com tudo mui pobres que andão todos com os pés no chão e sem protecção algua. Fizerão reunião de quatro dias no março passado. Chamão de mutirão os trabalhos de alliança que todos adherem, que fizerão derrubadas e talharão todos os paos da mata e ensinarão a construir o carvão que não se sabia. Despos de mez voltarão em attenção de acender fogo e queimmar todo o derrubado donde plantarão o que Martha tinha mandado do Paraná. Abóbora, arroz, feijão, milho e mais de comer. Donna Catharina França deo dous porcos para criação e deo duas galinhas d’angolla que mui se vê no logar e gallos e alguas marrecas brancas. (sic) que mui aumentarão. Lidamos na roça d’outros para o mesmo signal de paga. As gentes do Juquiá não abandonão os próximos e até os de mui distancte, rio asima. Nos demos na construcção de hu’a casa, que não seja authentica e, portanto melhorada hé boa quanto hé pequena. É costume desse povo fazel-as com altas pernas de pao para que não lhe cheguem as ágoas das cheias do rio”. Stokler – 1823.
1824 – Os vizinhos de Stokler.
Podemos confirmar nos registros do “Annuário de Stokler” a presença de vários sitiantes que moravam em Juquiá e que enviaram o segundo requerimento, mais de dez anos antes, ao Bispo de São Paulo, em 08 de maio de 1815, pedindo que a região do Juquiá passasse a pertencer à Freguesia de Iguape, e não à de Xiririca.
As pessoas mencionadas nos registros, anteriormente haviam abandonado estes sertões em virtude de ataques indígenas.
“Estamos com hu’a boa vizinhança até mui longe que são o João Martins da Costa, Lourenço Fernandes, Fernando Gomes, Felipe Fernandes, Jeremias José de Gusmão, Antonio Prado, Catharina França, Bento Lopes, Pedro de Almorim, Jozé Corrêa e Meira, Antonio Silvério, Antonio Garcia, Anna França, Gertrudes Pereira e Felipe Garcia e outros maes, que grande parte elles forão de novo habitar no Juquiá e occupar as terras que antes tinhão e que elles sahírão dalli pello temor dos índios que de rio asima lhes praticavão na occasião”. Stokler – 1824.
1825 – O Primeiro Caminho do Vale do Juquiá
Na região do Juquiá existiam grandes propriedades, de pessoas que somente as visitavam, ou que, herdadas durante várias gerações, não atraíam o interesse de seus proprietários para a sua real ocupação, por se tratarem de terras longíquoas e infestadas de moléstias e índios Cayuás bravios, originários do tronco tupi-guarani, e que habitavam temporariamente as margens do Rio Itariri. Estes silvícolas, de quando em quando, atacavam e saqueavam os viajantes ou esparsos moradores ribeirinhos do lugar.
Em 1825, atendendo a diversos e antigos pedidos de autoridades e moradores do Vale do Ribeira, principalmente de Iguape, que desejavam um caminho para a integração da região, do Ribeira ao planalto paulista e, também, atendendo aos interioranos, que desejavam uma rota para se ligarem ao mar, o Governo da Província de São Paulo decidiu abrir uma picada, que partindo de Piedade, atingisse o Vale do Ribeira e a cidade de Iguape, então importante porto comercial da época.
Por falta de melhor opção, foi escolhido um traçado atingindo o Rio Juquiá, que desembocava nas terras de João Martins da Costa, dois quilômetros acima da sede do atual município do mesmo nome; quase na Barra do Rio Caynhoré, que atualmente é chamado de Rio São Lourenço. O local é próximo ao Pouso Alto e acima da desativada Usina Termoelétrica de Juquiá.
A picada demonstrava a intenção dos governantes em se construir uma rota terrestre que atingisse Iguape, além da fluvial, já muito utilizada entre os povos na região. Mas, devido a grande dificuldade em se descer ou transpor a Serra do Paranapiacaba, a trilha foi usada esporadicamente e quase esquecida, com muitos trechos sendo tomados novamente pela floresta densa e exuberante, que se debruçou sobre a sua insignificância. Assim mesmo, famílias de pequenos agricultores foram ocupando lentamente as margens dos rios Juquiá e São Lourenço, chegando até a perigosa região do Rio Itariri, onde existiam os aldeamentos dos índios Cayuás (ou Caynás), que, em decorrência desta ocupação, decretaram maior intensidade na guerra aos “invasores”.
A abertura daquela picada, juntada aos anseios dos moradores do Juquiá (o Juquiá compreendia as terras desde as cabeceiras do Rio Itariri até a barra do Rio Juquiá, no Ribeira), que já em 1813 haviam requerido obediência à Freguesia de Iguape, veio seguida de vários pedidos ao Conselho Geral da Província para que se provesse o lugar de condições para a ereção de uma capela curada e o seu devido desmembramento. Para o ano de 1825, no “Annuário de Stokler” se fez registros das várias moléstias que infestavam o Juquiá e da falta de um cemitério na região, pois os corpos dos defuntos chegavam a Iguape em estado de adiantada putrefação e, por essa razão, os mortos eram enterrados no sertão:
“Alguas pessoas fallecerão sem attendimento no 14 ao 29 do março passado du’a enffermidade que lhe chamão patite e outros maes falão de febre amarella. Não existem cuidados de facto e nem logares para enterro decente e nem que seconste em archivo. O maes só há o actual campo sancto de Igoape donde se chega o corpo do fallecido por demaes estragado e com mui maos cheiros. Tanto que para dar enterro decente e immediato ao defunto sefazem aqui mesmo nos sertões com rezas cazeiras e sem ninguém que lhes encomende as almas cristãns e catholicas”. – Stokler – 1825.
Neste mesmo ano de 1825, Stokler registrava que os índios, incomodados com a presença cada vez maior dos colonizadores, desobedeciam às determinações de paz de Martim e atacaram os trabalhadores que abriam a picada desde Itapetininga, atrasando em demasia o cronograma daquela obra. Além disso, para aterrorizar os colonizadores do Juquiá, os índios começaram a roubar objetos das propriedades.
Existem também relatos que, em certa época do ano, os índios do Itariri migravam para outras regiões. Quando voltavam ao Juquiá, tempos depois, eram acompanhados pelo seu protetor Martim para que nada acontecesse a eles e aos sitiantes, no transcorrer da viagem pelos rios locais.
“Os índios que habitão o Tariry não estão de ouvir ao Martim e revoltados remettem ao São Lourenço e Juquiá fazendo paradas nas cazas e pedindo aos seus donnos que lhe dessem objectos, que não dados, forão elles roubados despos. Hu’a grande abertura de caminho que sefez na mata, de Itapetininga ao Juquiá, demorousse a construir pello modo que vinhão os índios a incomodar os trabalhadores della. Na occasião do anno os do Tariry sobem ou descem o Juquiá em grandes quantidades de cannoas e gentes e d’outra épocha voltão despos de sez mezes ou maes tempo. Rio asima, quando voltão são seguidos por Martim que lhe tem por amigo e protector delles até o Tariry”. Stokler – 1825.
Fonte: Um pouco antes da fundação de Juquiá- histopriadejuquia.tripod.com
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