Em 1917, no primeiro ano de sua gestão à frente do Museu Paulista, Afonso d’Escragnolle Taunay, ao agradecer uma âncora ofertada à instituição pela Prefeitura de Porto Feliz, solicitava ao então prefeito daquela cidade, Eugênio Motta, a doação de uma canoa de 15 metros que se encontrava às margens do rio Tietê, próxima ao porto de embarque das antigas monções.
O mandatário negou o pedido, alegando dificuldades de transporte da peça ao museu em razão de suas dimensões e peso, da ausência de estrada de ferro e do elevado valor de carreto.
Entretanto, dez dias depois dessa missiva, em 27 de dezembro de 1917, Eugênio Motta enviaria outra carta a Taunay, informando a existência na região de um batelão em poder de um fazendeiro que o transformara em cocho de garapa, com a diferença da peça se encontrar desprovida de popa e proa que haviam sido aparadas.
Seis anos depois dessa troca de correspondências, Taunay recorreria novamente ao mesmo prefeito de Porto Feliz, indagando sobre o tal casco de canoão transformado em cocho e pleiteando uma doação por parte do proprietário.
Após conversas e visita à fazenda, Taunay finalmente conseguiria a dádiva do beque de proa pelo Sr. João Batista Portella, o qual atestara que a peça já era propriedade de seus avós havia muito anos.
Ainda que Taunay houvesse comunicado o Sr. Alarico Silveira, secretário do Interior do estado de São Paulo, a cuja pasta o Museu Paulista era subordinado na época, que o transporte ficaria por conta do Sr. Portella, ele deixara com o fazendeiro 30 mil réis para as despesas com o despacho da carga.
O valor, na verdade, nem chegou a tanto, pois Taunay conseguira isenção de frete junto ao Coronel E. Johnston, superintendente da S. Paulo Railway Co.
O batelão de 15 metros pretendido em 1917 seria oferecido pelo Prefeito de Porto Feliz – ainda o Sr. Eugenio Motta – a Taunay em 1937, ao que tudo indica, pelas dificuldades de proteção e manutenção.
Desta feita, foi a vez do diretor do Museu recusar a doação, alegando não ter sala capaz de comportá-lo, a não ser que ficasse num corredor, e ponderando que os porto-felicences jamais perdoariam o ofertante.
Finalmente, em 24 de janeiro de 1924, um periódico paulista de grande circulação noticiava que 4 ANAIS DO MUSEU PAULISTA – vol. 27, 2019. 14. MUSEU PAULISTA.
O Estado de S. Paulo, 28 jan. 1924, Geral, p. 3.
Entre os funcionários do Museu Paulista e do Museu Republicano de Itu, o beque de proa muitas vezes é chamado de canoão, mesmo sendo dele apenas um fragmento, e aqui também assim será denominado.
O sr. João Baptista Portella, fazendeiro em Porto Feliz, acaba de fazer ao Museu Paulista a dádiva de um grande fragmento, com o beque de proa, de um canoão de monção.
Destas embarcações, que outrora como todos sabem se empregavam na navegação de Porto Feliz a Cuyabá pelo Tietê, Paraná, Pardo, Taquary, São Lourenço, ao que se sabe, existem hoje apenas duas, estas mesmas fragmentadas.
Uma, a maior, pertence à Câmara Municipal de Porto Feliz que mandou fazer um galpão para a resguardar no “Porto”, à ribanceira do rio Tietê.
A segunda havia sido retirada há mais de sessenta anos da água e estava desde então em poder dos pais do sr. João Baptista Portella, infelizmente serrada em pedaços.
Do que resta num comprimento de 3 ½ metros o sr. Portella fez presente ao Museu Paulista.
Acervo do Museu Paulista. Fotografia de José Rosael da Silva.
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