domingo, 7 de abril de 2019

A FERROVIA PAULISTA


Deixando de lado, por hora, a pesquisa arqueológica trago para esta postagem um assunto pouco comentado entre os pesquisadores e entusiastas de nossas ferrovias, a operação.
Trata-se de um assunto bastante complexo numa época em que tudo era transportado pela ferrovia, cuja organização do trafego era baseada em normas bem elaboradas, lápis, papel, telégrafo e pessoas dedicadas e bem treinadas.
Para tal abordarei aqui a introdução dos trens bagageiros ou de encomendas, prefixo “BG”, na circulação diária da Estrada de Ferro Sorocabana - EFS e seus primeiros passos no intuito de exemplificar, ainda que brevemente, um pouco de como era organizada a circulação e formação das composições.
Voltemos ao inicio da década de 1940, onde a rápida ascensão dos centros urbanos no interior e nas proximidades da capital paulista somada ao crescimento econômico do Estado trazia consigo o aumento substancial no transporte de bens de consumo em média e pequena escala. 
Na época para a movimentação deste tipo de mercadoria, as encomendas, eram utilizados os carros bagagem que compunham os trens de passageiro e misto, garantindo a rapidez de deslocamento que os trens de carga não ofereciam. Contudo, a crescente demanda nesta operação se tornara um empecilho para o bom andamento do transporte de passageiros, ora desfalcado da pontualidade exigida na partida das estações, também motivada pelo acumulo de serviço no desembarque e embarque de encomendas.
Para evitar o comprometimento no transporte de ambos o Departamento de Transportes da EFS emitiu a 13 de março de 1944 uma circular homologando a criação de trens paradores específicos para o transporte de encomendas em sua linha tronco, com inicio de circulação fixada para o dia 20 de março do mesmo ano:
“Afim de atendermos com a devida regularidade ao transporte de encomendas e, ao mesmo tempo, aliviar os trens de longo percurso e mixtos, resolvemos fazer circular, diariamente, um trem bagageiro sob prefixos BG.1 e 2, entre São Paulo e Botucatú e BG.3 e 4 entre Botucatú e Assiz, (...).” (EFS - circular n° 896, pag. 1)


Mapa das linhas da EFS em 1945. (Acervo Museu da Companhia Paulista)
Map of the lines of the EFS in 1945.(Companhia Paulista Museum Collection)


Horário resumido. Trens com parada prevista em todas as estações existentes entre as destacadas na tabela.
Os novos trens deveriam ser rebocados invariavelmente por locomotivas a vapor do tipo Mikado em todos os percursos acima descritos, respeitando o limite de 85% da lotação máxima prevista para esta locomotiva nos quadros de tração oficiais desta estrada.


Locomotiva tipo Mikado da EFS.
Mikado type locomotive of EFS.
Para não estender demais esta postagem, tratarei com maior profundidade apenas um trem, quer seja dentre os supracitados como nas alterações de itinerário que serão mencionadas a seguir. Além disso, a composição que corria em cada sentido era a mesma, havendo apenas a alteração do prefixo e inclusão ou não de vagões, geralmente vazios, dispensando o detalhamento dos demais. Desta forma, a composição que formava o BG-3 era a mesma que vinha no BG-1 do dia anterior e a do BG-4, seguindo aproximadamente o mesmo critério citado na tabela abaixo, dava origem em Botucatu ao BG-2 do dia seguinte, procedimento valido para todos os “BG” citados nesta postagem.

Tabela de formação dos trens BG-1 e BG-3.

Exemplo de carro tipo EF provavelmente utilizado nos “BG”. Na EFS esta sigla designava os carros bagagem-correio.
Example of car type EF probably used in "BG". In EFS this acronym designated baggage-mail cars.


Exemplo de vagão tipo V provavelmente utilizado nos “BG”, já com numeração e pintura da Fepasa. Na EFS esta letra designava os vagões fechados com caixa de madeira.
A criação dos trens “BG” não descartou por completo o transporte de encomendas em trens de passageiro e misto que circulavam no tronco, que permaneceram autorizados a receber despacho de bens perecíveis e de fácil deterioração, medicamentos, filmes e encomendas em geral para as estações além de Assis e aquelas que faziam baldeio para os ramais.
O rápido sucesso aferido a esta iniciativa motivou o Departamento de Transportes a fazer a 1° alteração no itinerário com a criação de novas composições pouco tempo depois. 
A 25 de abril do mesmo ano uma nova circular foi emitida informando a criação de dois novos trens e algumas alterações no percurso dos já existentes:

“(...) procurando não só melhorar o horário atual como, principalmente, estender seus benefícios à zona da Alta Sorocabana, a partir do dia 1° de Maio p. f., serão criados os trens BG 5 e BG 6, entre Assis e S. Anastácio e modificado o horário dos trens BG1, BG2, BG3 E BG4 (...).” (EFS - circular n° 904, pag. 1)

Somavam-se às mudanças supracitadas a substituição das locomotivas Mikado por outras do tipo Mountain na tração dos trens BG-1, 2, 3 e 4, em todo o trajeto percorrido, sendo mantida a utilização da primeira nas novas composições, além de abrir precedente para incorporação de vagões gaiola, carregados ou vazios, em qualquer trem “BG” mediante autorização do Movimento (Departamento de Tráfego).

Locomotiva tipo Mountain da EFS.


Horário resumido. Trens com parada prevista em todas as estações existentes entre as destacadas na tabela.
Empregado o novo esquema de circulação dos “BG” não tardou a emissão de outra circular, a 22 de agosto do mesmo ano, promovendo nova alteração nos itinerários e na formação dos trens:
“(...) entendendo a que os atuais horários dos trens “BG”, em virtude do sempre crescente movimento de encomendas, não mais podem ser observados e que, por conveniência do serviço, faz-se mistér a introdução de algumas modificações aconselhadas pela prática, determinamos que, a partir de 1° de setembro próximo, sejam inaugurados os novos horários (...).” (EFS - circular n° 932, pag. 1)


Horário resumido. Trens com parada prevista em todas as estações existentes entre as destacadas na tabela.


Tabela de formação válida para os trens BG-1, 3, 5, 7 e 9.

Sobre a tração, a circular faz a seguinte menção:
“(...) os trens BG, 3, 4, 5 e 6 deverão ser rebocados, de preferência, por locomotivas do tipo “Mountain” em virtude da locomotiva “Mikado” rebocar no V Distrito igual lotação, evitando-se, assim, máu aproveitamento na ida, e desdobramento da lotação do BG. 8, na volta:” (EFS - circular n° 932, pag. 1)
De fato não há aqui nenhuma novidade em relação à circular anterior, sendo mantidas as Mountains no trecho Sto. Antônio – Bernardino de Campos e as Mikado no trecho Bernardino de Campos – Sto. Anastácio (5° Distrito). O que chama atenção é a exclusão de qualquer determinação para o trecho São Paulo – Sto. Antônio, provavelmente devido ao fato de já ser utilizada eventualmente naquele trecho a tração elétrica para trens de carga, cuja inauguração oficial deu-se a 08 de dezembro de 1944.
No decorrer dos anos os trens “BG” cumpriram a tarefa para qual foram criados sempre a mercê de mudanças no itinerário e na formação conforme a demanda e as necessidades operacionais da estrada, quer seja para os que circulavam na linha tronco como para aqueles criados no inicio da década de 1950 para atender os ramais de maior movimento. Entretanto, com a migração do transporte de pequenos e médios volumes para o modal rodoviário, acentuada no final da década de 1960, os trens “BG” passaram a exercer uma nova função, voltada para o transporte de cargas, deixando gradativamente o transporte de encomendas para realizar os serviços de manobra e coleta de vagões carregados e vazios nas estações intermediárias entre aquelas consideradas formadoras e recompositoras.
Após a formação da Fepasa em 1971 o prefixo “BG” continuou em uso até o início de 1977 quando um novo plano de transportes foi colocado em prática, alterando a nomenclatura de todos os trens existentes. A partir dali os “BG”, voltados agora exclusivamente para o serviço de manobra e coleta, ganharam uma nova denominação, hora identificados pela letra “L”. Nas décadas seguintes, com a ascensão do transporte de grandes volumes a longas distancias a utilização de trens manobradores ou coletores, como eram chamados, caiu em desuso. Não tenho dados para afirmar até quando a Fepasa manteve em circulação os trens “L”, mas tenho a impressão de que não chegaram ao final da década de 1990.

Postado há 28th May 2014 por Unknown

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