segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O HOMEM MAIS IMPORTANTE DE CUNHA/SP

 

QUEM FOI ORACY NOGUEIRA?
Oracy Nogueira - Integração, Ascensão & Preconceito de Marca
Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

“Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos haverá guerra”. Bob Marley




Oracy Nogueira nasceu em Cunha em 17 de novembro de 1917, onde viveu até os dez anos de idade. A família se muda para Catanduva em 1928, e logo para Botucatu em 1931/32, onde Oracy completa o ginásio.
Em 1932, com quatorze anos, participa como membro voluntário da Revolução Constitucionalista de São Paulo.
Em 1933/34, trabalha como repórter e redator no jornal Correio de Botucatu, filia-se então ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual permaneceria vinculado até meados dos anos 1960.
Ingressa em 1940, no curso de bacharelado da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em São Paulo, como estudante-bolsista de Donald Pierson, e lá conhece Lisette Toledo Ribeiro que viria a tornar-se sua esposa, colaboradora e mãe de seus quatro filhos.
Donald Pierson era professor de Sociologia e Antropologia, obtivera seu doutoramento em Chicago, sob a orientação de Robert Ezra Park. Pierson passou dezesseis anos em São Paulo como docente, e na opinião de Oracy, representou um “verdadeiro diretor acadêmico da ELSP”.
Na Escola, Oracy Nogueira foi aluno de Radcliffe-Brown, Herbert Baldus, Sérgio Milliet e Emilio Willems, entre outros de sua geração, permanecendo estreitamente vinculado à instituição e a Donald Pierson, até o ano do retorno deste aos Estados Unidos da América (EUA) em torno do ano de 1952.
Em 1942, Oracy conclui o bacharelado.
Em 1945, o mestrado com a dissertação “Vozes de Campos de Jordão. Experiências sociais e psíquicas do tuberculoso pulmonar no Estado de São Paulo”, publicada em 1950.
Ainda em 1945, por meio de um convênio firmado entre a Escola Livre de Sociologia e Política - ELSP e a Universidade de Chicago viaja para os Estados Unidos da América (EUA) para a realização do doutoramento naquela Universidade. Lá permanece sob a orientação de Everett Hughes, cumprindo créditos nos Departamentos de Sociologia e de Antropologia até 1947, tendo sido aluno de W. L. Warner, Robert Redfield, Louis Wirth, o próprio Hughes, entre outros.
Retorna ao Brasil para redação da tese, que, entretanto não chega a ser defendida: sendo filiado ao Partido Comunista Brasileiro, em 1952, em pleno macarthismo, seu visto para retorno aos Estados Unidos é negado.
Na ELSP, Oracy Nogueira ensina no curso de graduação desde 1943 e, a partir de 1947, no de pós-graduação, desenvolvendo simultaneamente atividades de ensino e pesquisa. Integra também a direção da Revista Sociologia (1948-1958), e também sua colaboração com a Comissão Paulista de Folclore, liderada por Rossini Tavares Lima e sua participação nos debates pontuais e conceituais então travados pelo Movimento Folclórico que abrange uma série de empreendimentos destes intelectuais que almejava, entre outras coisas, “o reconhecimento do folclore como saber científico”.
Organizados em 1947 na Comissão Nacional de Folclore (CNFL), eles ramificaram o movimento em comissões estaduais, promoveram congressos e viabilizaram a criação, em 1958, da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, órgão executivo ligado ao Ministério da Educação.
Analogamente, também Florestan Fernandes realizou entre 1942 e 1945 vários pequenos levantamentos, como o estudo sobre as manifestações do preconceito de cor em Sorocaba e do culto a João de Camargo; uma análise quantitativa da competição entre profissionais liberais em São Paulo, com base em identificações extraídas dos volumes das “listas telefônicas”; uma sondagem, através de questionários, da população rural de Poá, na qual tive a colaboração de Oswaldo Elias Xidieh; certa participação na pesquisa do prof. Dr. Willems, sobre Cunha, na qual ele se encarregou de estudar determinados aspectos do folclore ou da vida sexual da comunidade, assim como ajudou na coleta de dados antropométricos; uma exploração dos dados quinhentistas sobre os contatos dos Tupi com os brancos, na cidade de São Paulo, uma pesquisa que deveria fazer com o prof. Dr. Donald Pierson mas que interrompemos de modo prematuro, um balanço crítico das contribuições que Gabriel Soares e Hans Staden poderiam dar para o estudo da vida social dos Tupinambá e seus contatos com os brancos.
E em 1944 iniciara “graças ao empenho e à colaboração desinteressada” de Jamil Safady, uma pesquisa sobre a aculturação de sírios e libaneses em São Paulo. Essa experiência extensiva - afirma o talentoso sociólogo - não diz tudo. A pesquisa de 1941, complementada parcialmente em 1944, como já nos referimos, sobre o folclore, e o levantamento sistemático dos dados conhecidos sobre os índios Tupinambá, iniciado em 1945 e completado em 1946, constituem um marco em sua preparação sociológica.
Queremos dizer com isso que, para Florestan Fernandes no início da década de 1950, o período de formação chegava ao fim e, simultaneamente, revelava os seus frutos maduros. Ele já havia terminado a redação de A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá e dispunha de condições não só para colaborar com Roger Bastide em outra pesquisa complexa que realizaram, posteriormente, sobre a Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), tendo como escopo a cidade de São Paulo.
Graças à transferência para a Cadeira de Sociologia I, oficializada em 1952 e, em seguida, ao contrato como professor em substituição a Roger Bastide, ele viu-se diante da oportunidade de contar com uma posição institucional para por em prática as concepções que formara a respeito do ensino da sociologia e da investigação etnológica.
Florestan pretendia implantar e firmar padrões de trabalho que nos permitissem alcançar o nosso modo de pensar sociologicamente e a contribuição à sociologia.
Em 1952, no mesmo ano em que Donald Pierson deixou o Brasil, Oracy Nogueira aceita o convite para coordenar a cadeira de Ciência da Administração na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo (USP) e para o Instituto de Administração anexo.
Em 1955, ele se efetiva como técnico do Instituto de Administração da Universidade de São Paulo, então dirigido por Mário Wagner Vieira da Cunha, que também passara pela ELSP, logo se tornando chefe do Setor de Pesquisas Sociais.
Em 1957, vai para o Rio de Janeiro, trabalhar no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do Ministério da Educação, a convite de Darcy Ribeiro, seu ex-aluno na ELSP.
Nesse contexto, publica: Família e Comunidade: Um Estudo Sociológico de Itapetininga (1962). Resultado de pesquisa de 10 anos (1947-1956), o livro é um clássico na área dos estudos sobre família demonstrando a importância sociológica da organização familiar, uma vez que a história da comunidade se entrelaça com a de certas famílias.
Oracy volta a São Paulo em 1961, como técnico do Instituto de Administração, desligando-se finalmente da ELSP. Em 1967, defende junto à cadeira de Sociologia II da Faculdade Municipal de Ciências Econômicas e Administrativas de Osasco sua tese de Livre Docência, um estudo também pioneiro: Contribuição ao Estudo das Profissões de Nível Universitário no Estado de São Paulo.
O sociólogo e antropólogo Oracy Nogueira compõe uma geração de intelectuais cuja démarche está vinculada ao processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil. Mas tornou-se internacionalmente conhecido por um trabalho apresentado no XXXI Congresso Internacional de Americanistas, realizado em São Paulo, em agosto de 1954: “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem - sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil”. O Congresso Internacional de Americanistas é uma atividade cientifica de ampla tradição, que vem celebrando-se, ininterruptamente, desde 1875, data do primeiro congresso na cidade de Nancy, convocado pela Société Américaine de France. Em suas dez primeiras versões, teve o Congresso de Americanistas sedes europeias; sendo o México, em 1895, sua primeira sede norte-americana.
Desde então se procura alternar o local de celebração, não só quanto aos países, mas também quanto aos continentes, de tal forma que a um congresso realizado na Europa suceda-se outro na América do Norte. Seu trabalho transformou-se, rapidamente, numa referência quase obrigatória para os estudos de relações raciais, servindo também de síntese erudita da dicotomia entre o Brasil e os Estados Unidos, em termos das relações entre brancos e negros. Era o ingrato destino de uma reflexão, que fora apropriada por uma política identitária nacionalista que buscava firmar o caráter democrático e brando das relações raciais, em contraste vis-à-vis com o mundo, notadamente os Estados Unidos da América.
No caso brasileiro, no limite as relações irão desembocar no racismo de cátedra como marca. As três dimensões da atividade acadêmica universitária - ensino, pesquisa e extensão - vêm se tornando dependentes de um processo burocrático incontrolável, submetido a normas e dependências que conduz a distorções com a plena identidade da atividade de pesquisa de Tese de Titular que se desenvolve por ação complementar dos docentes, em ambientes de ensino e de caracterização muito individualizada. Os ambientes de pesquisa que identificam um nível elevado e próprio dessa atividade acadêmica são raros. O departamento é, insofismável e claramente, um órgão estanque, burocrático e corporativo por excelência, organizando-se em núcleos ou laboratórios por meio de projetos específicos, diretamente, com as agências de financiamento públicas.
Nos órgãos públicos o padrão de funcionalidade burocrática tem identidade própria. O sujeito da ação funcional, individual ou coletivamente, é um agente do poder público, tanto na atividade meio como na atividade fim. O poder público é uma instituição representativa da sociedade, em nome da qual exerce uma administração regida por leis, normas, regulamentos e códigos de conduta que devem ser cumpridos. Não raras vezes, no âmbito comportamental, a noção de poder público assume uma indefinição conceitual, carregada de subjetividades à medida de atribuições e responsabilidades. A forma de comportamento dos atores sociais envolvidos na dinâmica burocrática, administrativa e acadêmica, das universidades se reporta, em grande parte, às competências distribuídas e amparadas no sistema normativo instituído. Os conflitos de competência e desempenho resultam do confronto da autoridade como forma de comportamento não desejada, porém amparada em normas, regras e leis.



Do ponto de vista psicológico a cor preferida remete-nos a um perfil básico das características da personalidade; a segunda cor que dá preferência indica os seus objetivos ou metas básicas na vida. A rejeição ou aversão a uma cor é altamente significativa, pois indica uma necessidade básica insatisfeita, não atendida, na sua personalidade, e que, portanto, gera tensão ou ansiedade. Se você não gosta ou tem aversão ao vermelho, indica que você se sente derrotado e frustrado. Apesar de um “gigantesco” esforço da sua parte, você sente que a vida não tem recompensado a sua luta. Você anseia por paz e segurança, porém por algum motivo não consegue encontrá-las. Você se sente ameaçado pelo ambiente intenso e agressivo que o cerca, porém não encontra saída. Em decorrência, você padece de uma sensação terrível de desamparo. Você deve de começar a usar o vermelho, mesmo que não goste. Com a continuação começará a gostá-lo. É a cor da vitória, por isso, é indicado para os frustrados.
Desde a Antiguidade já era dado ao vermelho atributo de poder, tanto na religião quanto na guerra. O deus Marte, os centuriões romanos e mesmo certos sacerdotes se vestiam nesta cor. Obviamente desde cedo se relacionava o vermelho com o sangue e com o fogo. Desde os princípios do cristianismo, o fogo vermelho era símbolo de vida, e um dos exemplos mais conhecidos dessa simbologia são as línguas de fogo que descem sobre as cabeças dos apóstolos no dia de Pentecostes. O sangue vermelho de Cristo é símbolo de salvação. Mas o vermelho contrariamente também tem outro sentido simbólico: é também a morte, o inferno, as chamas de Satã, a carne impura, os crimes, o pecado e todas as impurezas. Na Roma antiga, também se produzia um tipo de vermelho a partir de uma concha encontrada no Mar Mediterrâneo, a “murex”. Como era uma concha rara, obviamente só eram tingidas com esse pigmento as roupas do imperador e dos chefes de guerra. Mas na Idade Média já não era mais possível encontrar essa concha e os tintureiros descobriram outra fonte para fabricar um belo pigmento vermelho: os ovos de um inseto conhecido como “cochonilha”, que é parasita de muitas árvores e do qual se extrai o “carmim”, uma variante do vermelho.
Contudo, é fácil entendê-lo no âmbito da política, com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016 no Brasil, a ideia veiculada por Oracy Nogueira quando o preconceito é de marca. Neste caso, a probabilidade de ascensão social é inversamente proporcional à intensidade das características físicas do indivíduo negro o que disfarça o preconceito de raça pelo preconceito de classe social. Em entrevista ao site “Poder 360”, dirigido por Fernando Rodrigues, editado por Teles Faria, o ex-secretário executivo da comissão de curadoria do palácio do Planalto e Palácio da Alvorada, Claudio Rocha, afirmou que o político Michel Temer (PMDB) e a “dama do golpe” Marcela Temer estão mudando “todo o palácio”, com a exceção da biblioteca e do salão de banquete. – “Tapetes foram substituídos, por uma questão de gosto pessoal, porque não gostam de tapete vermelho, os sofás têm sido substituídos, porque não gostam de sofá preto, ou porque não gostam do sofá cor de telha, apesar de essas cores terem sido escolhidas pela própria Anna Maria Niemeyer e Oscar Niemeyer na década de 1960”.
Segundo Claudio Rocha, os carpetes vermelhos da rampa de acesso ao Planalto, das escadarias e do elevador foram trocados, sempre a pedido de Marcela Temer.
As mudanças são comandadas pela chefia de gabinete de Marcela Temer.
– “O problema é que o palácio é um espaço público, é um prédio tombado e não faz nenhum sentido esse tipo de interferência”.
As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. A forma como grupos de uma mesma “conexão geracional” lidam com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Karl Mannheim não esconde sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã e destaca ainda que este é um exemplo bastante claro de como a forma de se colocar uma questão pode variar de país para país, assim como de uma época para outra.
Ao invés de associar as gerações a um conceito de tempo externalizado e mecanicista, pautado por um princípio de linearidade, o pensamento histórico-romântico alemão se esforça por buscar no problema geracional uma contraproposta diante da linearidade do fluxo temporal da história. O problema geracional se torna um problema de existência de um tempo interior não mensurável e que só pode ser apreendido qualitativamente. As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas diferentes em relação a um mesmo problema dado. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades sociais nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo meio social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Estes, de acordo com Mannheim, foram produtos específicos - capazes de produzir mudanças sociais - da colisão entre o tempo biográfico e o tempo histórico. Ao mesmo tempo, as gerações podem ser consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças sociais. Em outras palavras: o que forma uma geração não é uma data de nascimento comum - a “demarcação geracional” é algo apenas potencial - mas é a parte do processo histórico que jovens da mesma idade-classe de fato compartilham em vista do vínculo com a geração atual.


Roger Bastide entrevista (1944) com Margarida Izar.

Interessante notar comparativamente que também neste período se dava o importante capítulo brasileiro na vida de Fernand Braudel, iniciado em 1935, quando o historiador aceitou um repentino convite para se incorporar à Missão Francesa que, a partir de 1934, ajudou a fundar e construir a Universidade de São Paulo. Esta permanência no Brasil, que se prolongou por três anos consecutivos, e que se repetirá por sete meses em 1947, foi, contudo, apenas o ponto de partida de uma relação social e uma experiência mais geral que Braudel entabulará com a América Latina, e que absorverá parte considerável de sua atividade intelectual, de 1935 até aproximadamente os anos de 1953. Desse modo, o trabalho como Titular da cátedra de História das Civilizações da Universidade de São Paulo representa pari passu a origem de um interesse que Fernand Braudel desenvolverá com respeito à história social e à civilização latino-americanas. Culminará no fato de que uma parte substancial de sua atividade acadêmica e intelectual, desenvolvida entre 1946 e 1953, terá como parâmetro essa história e vida latino-americanas que, entre os anos de 1935 e 1953 estará voltado para seu interesse mediado em ambos os períodos por um terceiro, cujo centro de gravidade será o tema global de seu Mediterrâneo (cf. Aguirre Rojas, 1986).
Suas inquietações no plano intelectual e metodológico de pesquisa apresentam como fio condutor e boutade o estigma e suas consequências sociais, percebidos a partir de diversos ângulos, mas sua principal temática de investigação é de fato a questão racial. Vale lembrar que autor publicou em sua progênie, “Atitude Desfavorável de Alguns Anunciantes de São Paulo em Relação aos Empregados de Cor” (1942) e “Preconceito de Marca: As Relações Raciais em Itapetininga” (1955) e também “Negro político, político negro”, seu último trabalho. Todos eles versam sobre as distintas formas e condicionamentos sociais sobre os quais de constituem as manifestações de preconceito, aspecto que organiza o entendimento da questão racial brasileira. Após anos de estudos e pesquisas de Oracy Nogueira chegou-se a conclusão que o estilo de racismo à brasileira caracteriza-se pelo “preconceito de marca”. Assim, o preconceito de marca se estabeleceria em relação às aparências. Quando toma por pretexto para as suas manifestações de vida, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gostos, o sotaque, caracterizando a marca. Mas basta a suposição de que o indivíduo descende de grupo étnico, para que supra as consequências do preconceito: diz-se que é de origem. O impacto desses estudos foi assimilado de modo traumático porque havia na ideologia brasileira e na academia, como ambiente cultural, certo compromisso com a tese sociológica da democracia racial. Com os trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, em “Negros e brancos em São Paulo”, é que foi revelada, por trás das relações, a realidade do preconceito racial de par em par com o preconceito de classe e, portanto, o preconceito racial constitutivo da sociabilidade na sociedade brasileira.
Oracy Nogueira compreende que os estudos que tratam da “situação racial” brasileira, no que se refere ao negro (e ao mestiço de negro), podem ser divididos em três correntes: 1) a corrente afro-brasileira, a que deram impulso Nina Rodrigues e Arthur Ramos, e os estudiosos que mais diretamente foram influenciados por ambos; e que, sob a influência de Herskovits, prossegue, sob uma forma renovada, com os trabalhos de René Ribeiro, Roger Bastide e outros, podendo ser caracterizada como aquela corrente que dá ênfase ao estudo do processo de aculturação, preocupada em determinar a contribuição das culturas africanas à formação da cultura brasileira; 2) a dos estudos históricos, em que se procura mostrar como ingressou o negro na sociedade brasileira, a receptividade que encontrou e o destino que nela tem tido, corrente esta de que Gilberto Freyre é o principal representante; e 3) a corrente sociológica que, sem desconhecer a importância das duas perspectivas já mencionada, se orienta no sentido de desvendar o estado atual das relações entre os componentes brancos e de cor (seja qual for o grau de mestiçagem com o negro ou o índio) da população brasileira.
Em termos metodológicos, o estudo de comunidade, instrumento com que a Sociologia nasceu entre nós, largamente influenciada pelos desdobramentos da escola de Chicago, fora enriquecido pela investigação histórica das relações entre brancos e negros durante a escravidão. Em termos interpretativos, porque Nogueira, desafiando as lições de Herbert Blumer e de seu mestre Donald Pierson, teorizava uma forma nova de preconceito racial, presente em sociedades como o Brasil, quando distinguem os dois tipos básicos de preconceito racial: - Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o “preconceito de raça” se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as consequências sociais do preconceito, pois se diz que é de origem histórica e socialmente determinada.
O primeiro aspecto, no plano de análise identifica a distinção entre preconceito de marca (aparência) e preconceito de origem (ascendência), que historicamente tem o intuito de qualificar a situação racial brasileira vis-à-vis aos condicionamentos histórico- raciais na sociedade norte-americana. Tratava-se de estabelecer uma crítica às análises que diferenciavam o preconceito racial brasileiro daquele das demais sociedades (em especial a norte-americana) apenas em termos de intensidade, sem qualificá-lo. Essa abordagem significou o ponto de partida de sua contribuição sociológica ao tema na medida em que o autor, ao analisar o preconceito, além de reconhecê-lo, situa-o como um problema central nos estudos das relações raciais no Brasil. Sua perspectiva acerca da sociedade norte-americana foi desenvolvida durante sua estadia naquele país, posteriormente à passagem de Gilberto Freyre na University of Columbia, entre os anos de 1945 e 1947, na Universidade de Chicago, para a realização do doutorado. Ao longo do texto, ele fornece relatos etnográficos de situações cotidianas que vivenciou nos Estados Unidos e cujo impacto social proporcionou o insight para a criação do quadro teórico-metodológico de referência para compreender a situação racial brasileira. Os Estados Unidos e o Brasil constituem exemplos de dois tipos de “situações raciais”: um em que o preconceito racial é manifesto e insofismável e outro em que o próprio reconhecimento do preconceito tem dado margem a uma controvérsia de não se superar.




O ponto central da reflexão de da sociologia de Oracy Nogueira é a permanência, o desenvolvimento e a especificidade do preconceito racial no Brasil, que ele chama de “preconceito de cor”, ou “preconceito de marca”. Preconceito que facilitou a integração e a ascensão social dos imigrantes europeus e retardou e impediu a ascensão dos negros. Primeiro, porque os brasileiros natos, seja no cotidiano, seja em sua ideologia política ou literária, sempre viram no imigrante branco um elemento de melhoramento ou a ideologia de branqueamento da raça. Segundo, “enquanto a ascensão de descendentes de imigrantes tanto se pode dar com o cruzamento como sem o cruzamento com descendentes de antigos colonizadores portugueses, a ascensão de elementos de cor ou pressupõe ou se faz acompanhar do cruzamento com elementos brancos, seja qual for a origem deles”. Em consequência, cada conquista do negro ou do mulato que logra vencer econômica, profissional ou intelectualmente tende a ser absorvida, em uma ou duas gerações, pelo grupo branco, através do branqueamento progressivo e da progressiva incorporação dos descendentes a esse grupo. O negro, a cada geração, teria, portanto, de começar, de novo, lutando contra o preconceito e sem a solidariedade de um grupo identitário. Sim, porque Oracy confirma o que já se sabia antes dele, e será reafirmado depois: não há, no Brasil, grupo racial qua grupo. A diferença, para Oracy, é que, existindo o grupo para os outros, ainda que não para si, torna-se objeto de discriminação, mas não cria laços de solidariedade que possam fortalecê-lo em sua luta contra o preconceito.
O objeto teorizado por Oracy Nogueira é justamente essa complexa constelação de preconceitos baseados em marcas (1998), afastados de origens geográficas ou culturais, resguardados por ideologias “assimilacionistas”, que impedem o cultivo de diferenças identitárias pelos setores já discriminados. Muitos desses decadentes foram carreados a cargos burocráticos, quando não, a ofícios manuais, considerados menos prestigiosos na localidade. Já as violações ao “intra-casamento” alimentaram as formas em que se dá a miscigenação. Neste caso foram recolhidos casos frequentes de “uniões pré-maritais” – duradouras ou ocasionais – de homens brancos de projeção, com “mulheres de cor”, prática que chegou até as primeiras décadas deste século. Isso, em detrimento da salvaguarda das famílias brancas, que detinham status social superior e concentravam poder econômico e político. Mestiços resultantes dessas uniões (ostentando alguns deles nome de família tradicional), quando instruídos e dotados de traços negroides pouco acentuados, beneficiaram-se desse conjunto de circunstâncias para atingir posto em atividades menos desvalorizadas, podendo até conquistar destaque político.
De qualquer modo, no entanto, o apelo a atitudes e práticas simulatórias, dissimulatórias ou elusivas, correntes na localidade, indicavam o mal-estar provocado por tais fatos sociais, em razão do preconceito aí vigente. Servem de exemplos: o uso de termos imprecisos, como “pardo”, “mestiço” para designações mais embaraçosas; e a dissimulação social em reconhecer o status social como de negros (as), a despeito dos traços étnicos denunciadores, identificados pelo pesquisador, fotografia(s) de pessoa(s) socialmente aceita(s) como integrante(s) do segmento branco. Oracy Nogueira rememora que outro recurso esclarecedor da chamada resistência local às oportunidades, acessíveis a negros e negroides, encontram-se no paralelo entre a efetiva ascensão social no quadro de estrangeiros (principalmente italianos), portadores de conhecimentos técnicos, e a de negros e seus mestiços, mesmo quando, porventura, também portadores desses conhecimentos. A estes últimos o casamento com brancas representou sempre condição indispensável, mas não àqueles outros. Já aposentado o etnólogo ainda escreveria, entre outras coisas, a expressiva Introdução a seu livro Tanto preto quanto branco (1985), que re-edita seus artigos sobre relações raciais e a original biografia Negro político, político negro (1992) que mistura ficção à pesquisa histórica e sociológica na narrativa da trajetória pessoal e política do Dr. Alfredo Casemiro da Rocha, prefeito de Cunha na República Velha, caso singular de ascensão social e política de um homem negro no Brasil recém-saído do regime escravocrata é o objeto de estudo de Oracy Nogueira neste livro, que alia reflexão sociológica a relato biográfico ao analisar a vida desse médico negro que teve intensa atividade política no interior de São Paulo e chegou inclusive a ocupar cadeira de Senador da República.

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