sábado, 8 de abril de 2023

TIA BEZINHA QUE CONTOU A HISTÓRIA:


PEDAÇOS DE HISTÓRIA As cavalhadas de Sorocaba, Narradas por Tia Bezinha

Eu sempre soube, por conta de leituras que fiz de cronistas e historiadores mais antigos, que as cavalhadas sorocabanas eram famosas, a ponto de atrair a atenção até mesmo do imperador Pedro II.
Mais famosos ainda eram os nossos cavaleiros pela habilidade nas montarias e no laço. Tenho conhecimento, inclusive, que as nossas cavalhadas (de 1830) estão reproduzidas em telas do pintor Hercules Florence e que fazem parte do acervo do Museu Paulista. Eu só não sabia ou se sabia havia me esquecido, que a Tia Bezinha - Izabel Moraes de Souza - mãe da Eli, da Leia, do Zé Antônio e da Teia, havia escrito um trabalho sobre as cavalhadas, um episódio do nosso folclore, que ela chegou a presenciar, mesmo porque o seu irmão Décio era um personagem dessa representação histórica. A redação a Tia Bezinha ficou em quarto lugar, logo depois do prof. Benedito Cleto, que ficou em terceiro, e na frente do professor Nilson Lombardi, que ficou em quinto lugar. A premiação, que marcou o encerramento do Curso de Folclore, deu-se em sessão solene, no Sorocaba Club, em julho de 1957. A seguir, a reprodução do trabalho de Tia Bezinha.

AS CAVALHADAS
Conseguindo alguns dados sobre a popular cavalhada, procurei descrever de um modo simples esse folguedo maravilhoso. Empolgada pela recordação dos meus, que sentiam entusiasmo nessa batalha, vivo a lembrança de um passado.
A cavalhada não é mais do que uma batalha simbólica. Tem por enredo a vitória dos cristãos sobre os mouros na conquista da princesa cristã Florisbela, raptada por estes últimos. Como bem diz o nome, esta apresentação é feita com os participantes todos a cavalo.
A festa é majestosa. Exige do cavaleiro muita habilidade e sem ser ágil, nada consegue.
São diversas as figurações.
Um dos acontecimentos principais era o preparo diário feito pelos cavaleiros antes da realização da festa; preparo este que exigia muita atuação e muita boa vontade para que no dia da festa não houvesse embaraços e confusões. Dificilmente, os cavalos resistem a contenda sem serem substituídos.
Cada cavaleiro tem seu pajem uniformizado de branco. Em cada ala havia o chefe e o embaixador. Havia também o mensageiro, que se incumbia de pedir a rendição (1).
Suas vestes eram ricamente trabalhadas. Usavam calças brancas de linho ou brim e uma túnica de veludo toda enfeitada com galões brilhantes e quepe. Os cristãos vestiam com túnicas verdes ou azuis, enquanto os mouros usavam as encarnadas. Seus equipamentos eram a lança, a espada e o "fogo de festim", com se chamava por ser revólver carregado com pólvora.
No campo, especialmente arrumado para esse fim, colocavam-se postes sustentando bonecos ou cabeças de papelão e as célebres "argolinhas". Feito de tábua ou papelão, deveria estar pronto o "castelo dos mouros", centro das atenções.
A luta começava. Rompia a banda numa marcha alegre. Surgiam os mouros e os cristãos, contornando o campo com evoluções difíceis, provocando calorosos aplausos da assistência. O sinal da luta era anunciado com um tiro de arma de fogo. Precipitavam de lanças em punho a todo galope, tentando var os bonecos. A expectativa era grande, a tarefa era difícil, principalmente quando eram colocados no chão os bonecos ou cabeças.
O garbo e o arrojo que acompanhavam esses movimentos eram como se, realmente, estivessem decepando o adversário.
A assistência aplaudia, a banda tocava, era verdadeiro delírio. Quando acontecia de não acertar o intento, começa a "banda infernal', assim chamada por tocar na ocasião do insucesso, fora de compasso e barulhenta.
Muitas vezes, não conseguindo com a lança, tentavam destruir os bonecos com o "fogo de festim". A "argolinha" presa à grande altura, exigia perícia do participante na conquista da mesma. Era costume o cavaleiro oferecer a mesma, enfeitada de fitas e com a data da festa, à pessoa que lhe era simpática ou mesmo à eleita do seu coração. A dádiva era retribuída por uma jóia, flor ou outro objeto, que no momento tivesse em mãos. (2)
Depois de várias figurações e batalhas, era enviado o emissário dos mouros aos cristãos, pedindo paz, o que será negada. Rompia de novo a luta. Desta feita incendiavam o castelo dos mouros e lançavam-se uns contra os outros, brandindo as armas e terminava com a vitória dos cristãos.
Sorocaba foi centro de grandes cavalhadas. Como prova disto existe no museu de São Paulo um retrato denominado "Cavalhadas de Sorocaba".
Em 1916, a cavalhada foi realizada no dia 10 de julho, durante a Festa do Divino. O festeiro foi o capitão Pedro de Almeida Tavares. Foram os chefes dessa cavalhada os senhores Quinzinho de Barros e Dr. Luiz Pereira de Campos Vergueiro. Entre os participantes estavam Dr. Afonso Vergueiro, Eugênio Pereira, José Elias Monteiro e seu irmão Lico, Casemiro de Assis, Décio de Moraes e outros. Esse torneio foi realizado no Parque Castelões, de propriedade do Sr. João Nóbrega de Almeida, onde ficava o prédio do antigo Cine Alhambra, à rua Cel. José Tavares. Nessa festa foi oferecido um grandioso jantar às autoridades e cavalgantes e deliciosas roscas ao povo.
Em 1917, com o mesmo pessoal, realizou-se a cavalhada no campo do Velódromo, de propriedade do Sr. Manoel Ferreira Leão.
Os arreios eram notáveis. Justifica-se por ser aqui o centro das indústrias do Estado e não podiam faltar as de couro, pelegos, selas e estribos etc. A esses complementos eram colocados enfeites de metal, principalmente prata. As mantas eram bordadas e os peitorais com franjas.
A última cavalhada realizada em São Roque foi organizada pelo senhor Quirino Rodrigues Arruda, que não mediu esforços e nem gastos para que sua ala apresentasse todos os cavalos da mesma pelagem - pampa.
Atualmente, é difícil a realização das cavalhadas, porque exigem grandes despesas. Sendo assim a nova geração nem sempre poderá assistir as Cavalhadas, que era um costume bem nosso e admirado em quase todos os estados do Brasil".
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(1) - Participavam da cavalhada 51 figurantes (12 cavaleiros e 12 pajens, mais o mensageiro e a rainha, do lado dos cristãos. 12 cavaleiros e 12 pajens, mais o mensageiro, do lado dos mouros. Eram necessários ainda 51 cavalos, 2 para cada cavaleiro, 1 para cada mensageiro e 1 para a rainha.
(2) -Faz parte da tradição da família Moraes, o seguinte "causo". O tio Décio (irmão da tia Bezinha) foi o vencedor de uma dessas cavalhadas. Ao dirigir à tribuna de honra da prova ofereceu o troféu da disputa - a tal "argolinha" à senhorita Hortência Prestes de Barros (Hortensinha), que retribuiu, colocando na ponta da espada do vencedor o seu anel. Esse anel foi dado como presente à tia Tereza e após a sua morte ficou com o seu único filho, o prof. Dante Yório Filho. É tradição!
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Sérgio Coelho de Oliveira
Presidente
Centro de Estudos Históricos Caminhos das Tropas.

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