domingo, 15 de setembro de 2013

LENDAS DE IPORANGA

Manoel de Lima escreveu uma página no jornal "Cruzeiro do Sul", edição 24/25 de dezembro de 1.976, só para contar sobre as lendas de Iporanga.
Assim:
"A Serra das Avencas, no Rio Pilões, e o Rio das Mortes, em Iporanga, no Alto Ribeira, escondem mistérios e lendas criados pelos forasteiros, aventureiros e exploradores que visitaram a região nos fins do século XVI.
Tudo isso em torno do ouro, quando a região foi assaltada por bandeiras e homens à procura dos filões.
Nessa época, Iporanga, antes Arraial de Santo Antonio, já era um marco de progresso, a cidade base da economia do Império.
As lendas mais fascinantes contadas pelos saudosistas daquela época e hoje vividas pelos mais antigos, tem hoje um caráter folclórico e ao mesmo tempo que expressam o que foi o período aurífero da região.
"Negro Tião", "Rio das Mortes", "A Torre Encantada" e "O Carrasco do Areial" são as lendas mais impressionantes de Iporanga.
Tem ainda a do "Menino da Sorte", que conta a sorte de um menino de cinco anos, filho de um rico fazendeiro, que todas as manhãs saía a percorrer as terras da fazenda e, próximo a um riacho, encontrava-se com uma menina que não conhecia - e ninguém sabia onde morava - de quem recebia pedras preciosas e pepitas de ouro como presentes.
Conta a lenda que o menino não podia dizer a ninguém daqueles seus encontros. E um dia contou ao pai.
Três dias depois, um raio matou o menino e os seus pais. Foi o castigo que recebeu por falar demais.

"NEGRO TIÃO"
A lenda do Negro Tião impressiona por sua dramaticidade.
É um relato fiel das atrocidades, violências e mortes cometidas naquela época como consequência da febre do ouro.
Tião era um crioulo esperto e robusto, mas muito preguiçoso.
O seu grande desejo era ser um grande fazendeiro, mesmo sabendo que isso lhe seria difícil já que era um escravo como outro qualquer.
Tião não trabalhava, mas tinha a estima do português Joaquim, por ser especialmente dotado para descobrir filetes de ouro, e já havia descoberto inúmeras minas. Por isso era protegido do amo.
Marcolina, crioula também, bonita e alegre, era a paixão de Tião.
E passaram ambos a namorar, até que o amo proibiu os encontros.
Numa noite, Tião saiu de seu quarto e foi ao encontro de Marcolina, sendo ambos apanhados em flagrante pelo português.
No dia seguinte, Tião era castigado duramente.
Passaram-se muitas luas e Tião continuava doente devido à surra do amo.
Restabelecido e vendo que perdera a amizade do português, Tião resolveu abandonar a fazenda. Muitos meses vagou pelo sertão.
Numa tarde encontrou a Serra das Avencas. Ali dormiu e só no dia seguinte, ao se preparar para iniciar a caminhada à procura de uma fazenda, faminto e com sede, encontrou o que ele tanto procurava: uma mina de ouro.
Começou então a cavar a terra e, à proporção que o buraco se aprofundava, Tião encontrava mais ouro, ouro em pó, ouro em pedra.
Marcou bem o local e, antes de abandonar a mina, retirou alguns quilos de ouro que escondeu num lugar distante.
A primeira coisa que lhe veio à mente foi a imagem de sua Marcolina.
Decidiu então regressar à fazenda.
Ao chegar à fazenda, numa noite escura de inverno, foi procurar a sua amada, contando-lhe as suas andanças pelo sertão e o que havia descoberto.
Marcolina quase não acreditou no que ouvia.
No dia seguinte, Marcolina contou tudo ao amo que ficou interessado em saber como Tião estava passando.
Numa manhã, o amo falou para Tião:
- Tião, eu não guardo mágoas de você. Eu o perdoo e se quiser pode voltar ao trabalho.
E Tião voltou a morar na fazenda.
Mas sempre era procurado pelo amo para que contasse como foram os meses que passara perambulando pelo sertão. E Tião sempre fugia daquelas conversas.
Um dia, entretanto, não se contendo, o português disse ao Tião:
- Tião, eu sei que você sabe onde existe ouro. Pois bem, podemos fazer um trato: você leva Marcolina que tanto ama e, como paga, você me trará o peso da crioula em ouro.
Tião pensou e, vendo que atendendo o amo com uma quantidade de ouro igual ao peso de Marcolina, a mina não acabaria, decidiu então aceitar o trato com o português.
Todas as manhãs, Tião pegava um bonito cavalo e ia à Serra das Avencas buscar alguns quilos de ouro.
Tião não sabia contar, nem tinha noção de quantidade.
Passados alguns dias, Tião perguntou ao amo:
-Amo, o ouro que eu trouxe já não dá para eu viver com  a Marcolina? A mina está secando, quase não há mais ouro. Amanhã vou buscar os últimos quilos. E, depois, quero a Marcolina!
A dureza nas palavras de Tião magoaram Joaquim que, encolerizado, ordenou severo castigo ao crioulo.
A lenda conta que Tião já havia entregue ao amo mais de 20 arrobas de ouro. Mas o português não estava satisfeito com o que havia recebido, pois o seu desejo era descobrir o local da mina, a Serra das Avencas.
Tião, depois do castigo, adoeceu, passando muitos dias acamado.
Ao melhorar, e sem poder falar com Marcolina, decidiu fugir novamente, mas foi impedido pelos demais escravos.
Joaquim permitiu depois que Tião voltasse à Serra das Avencas para buscar a sua última cota com a qual poderia casar com Marcolina.
Foi e trouxe o ouro, mas recebeu a mesma imposição do amo:
- Tião, ainda faltam muitos quilos para completar o trato. Traga mais uma porção e terá Marcolina. Andas doente e não quero que te aconteça algo no meio do caminho. Ensinas pra Marcolina tudo direitinho, pois podes morrer e a mina então será de Marcolina.
Tião foi à Serra das Avencas levando as sua amada.
Muito esperto, mas longe de adivinhar as intenções do amo, Tião não mostrou a Marcolina o local exato da mina. Deixou-a às margens de um rio, enquanto subia a Serra.
Marcolina esperou vários dias pelo regresso de Tião. Como este não regressasse, Marcolina resolveu ir a sua procura.
Encontrou-o caído, desfalecido.
Deu-lhe água, mas já era tarde.
Tião morrera quando ela fora buscar água no rio onde ficara aguardando a volta do amado.
Sem saber o que fazer, se voltava à fazenda para contar ao amo o ocorrido, ou se tentava achar a mina, decidiu então voltar à fazenda.
Ao chegar à presença do amo, este não acreditou na história da morte do Negro Tião. E Marcolina foi surrada duramente pelo amo.
Marcolina adoeceu, não tanto pela surra que levara, mas de paixão e sofrimento pela morte de Tião.
Joaquim não acreditou no fato de Marcolina não ter ido à Serra das Avencas, e nova surra aplicou na negra.
Doente, quase à míngua, Marcolina foi levada por um grupo de escravos, numa rede, ao local onde morrera Tião. 
Joaquim queria ter a certeza de que o crioulo havia morrido.
- Marcolina, - disse o amo - tu vais me levar no local onde o Tião morreu, como dizes. E quero saber onde é a mina!
Marcolina insistiu em dizer que não sabia onde ficava a mina. E nova surra levou.
Ao chegarem ao local, o português viu o corpo de Tião, ainda em estado de quase conservação.
O grupo de escravos passou então a procurar a mina. Não encontraram, porque, de onde estava o corpo do crioulo, distavam quase cinco léguas da mina.
Joaquim, furioso, abandonou Marcolina no local, dizendo:
- Tu ficas com o teu amado e com a mina, que é tua.
E Marcolina lá ficou, onde morreu junto ao cadáver de Tião.
Conta a lenda que muitos anos depois, um grupo de exploradores encontrou os restos mortais de Tião e Marcolina e, junto deles, três cuias cheias de ouro.
Essas cuias foram usadas por Tião para escavar a mina.

"A TORRE ENCANTADA" 
A lenda da Torre Encantada tem ligações com o período jesuítico do século XVII.
No pé de um morro conhecido como Morro Azul, de onde surgiam clarões azuis, verdes e amarelos, os forasteiros viam, à distância, uma torre. E sempre que alguém tentava se aproximar da torre, esta dava a impressão de que se afastava.
Era difícil alguém se aproximar da torre.
Mas a lenda conta que o explorador Luiz Carias, garimpeiro, que trabalhava no Arraial de Santo Antonio, primeiro nome dado a Iporanga na época da sua fundação, conseguiu certa vez se aproximar da torre.
Esta só era vista de perto por quem não possuía instintos maus ou de ganância.
Saindo da trilha costumeira que fazia sempre, se aproximou da torre. Viu que era uma antiga construção com suas portas de ferro bem trancadas.
Por uma das saliências de uma das portas viu que havia no interior da torre muitas pedras preciosas e muito ouro.
Ficou louco de alegria. Afinal já trabalhara muito e não possuía riqueza alguma.
Marcou bem o local onde se encontrava a torre. Sabia que ficava no Morro Azul, mas poucos viajantes sabiam da existência dessa torre.
Voltando ao Arraial de Santo Antonio, Luiz contou o fato ao seu amigo Henrique Bueno. E os dois decidiram explorar a torre.
Depois de andarem muitas léguas em pleno sertão, os dois exploradores avistaram ao longe a famosa torre.
Caminharam por um imenso vale que precedia a trilha feita por Carias quando descobriu a torre. E à proporção que se aproximavam do local, a torre desaparecia.
Finalmente, os dois chegaram ao local. E, para surpresa, ambos só encontraram as estacas fincadas no chão, deixadas por Luiz Carias para identificar o local da torre.
Isso ocorria sempre a quem chegasse a descobrir o que a torre guardava.
Ninguém conseguiu explorar a torre.
Conta a lenda também que essa torre teria sido construída pelos jesuítas, quando foram perseguidos na época do Império. Como não tinham para onde fugir, percorreram o sertão que se distanciava da Província de São Paulo, foram se esconder no Morro Azul, e lá ergueram uma construção onde guardaram todo o tesouro que conseguiram juntar durante a sua vivência em solo brasileiro. 

"O CARRASCO DO AREIAL"
Não menos violeta e impressionante é a lenda do Carrasco do Areial.
Numa das muitas fazendas de aguardente que existiam no Arraial de Santo Antonio, havia um rapaz de nome Melo Branco. 
Homem ambicioso e violento, Melo Branco queria à força tornar-se o grande senhor da região.
Uma certa noite, reuniu alguns escravos da fazenda onde trabalhava e contou-lhes o seu plano: teriam que roubar algumas arrobas de ouro numa fazenda próximo a sua.
O grupo entendeu o plano e partiu.
No dia seguinte, Melo Branco estava conferindo o roubo, quando um negro se aproximou e lhe disse que o dono da fazenda assaltada queria falar-lhe.
Melo Branco ficou ruborizado, mas foi ao encontro do fazendeiro.
Permitiu que este interrogasse os escravos sobre o roubo. Ninguém falou. Mas para se prevenir contra qualquer dissabor, Melo Branco passou a cortar a língua dos negros, avisando-lhes:
- Isso é pra vocês não falarem nada.
E os roubos se sucediam a cada dia. E as desconfianças contra Melo Branco também. Até que o rapaz resolveu acabar com a possibilidade de vir a ser denunciado, pois os escravos que tiveram suas línguas cortadas passaram a odiá-lo e, vez por outras, eram flagrados quando conversavam em mímica. Com alguns sinais mais explícitos, eles poderiam entregar o rapaz.
Então Melo Branco planejou e executava os roubos às fazendas e depois mandava matar os negros que participavam dos assaltos.
Conta a lenda que Melo Branco foi apanhado em flagrante quando roubava uma fazenda. 
Os negros foram perdoados, pois eram forçados a fazer os assaltos. E como tributo de gratidão dos fazendeiros roubados, ficaram com Melo Branco para o castigarem a seu modo.
O rapaz foi esquartejado vivo e depois atirado no Rio das Mortes, que também guarda muitas lendas.

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