quinta-feira, 11 de agosto de 2016

UM CAUSO DE TATUÍ: A CIRCULAR

Tem muita gente que acha que “antigamente as coisas eram melhores que hoje”. Mas isso pode não corresponder à verdade e ser apenas uma manifestação da saudade do tempo em que não tinha ainda tantas dores no corpo, que tinha esperança de fazer isto e aquilo, que achava ser dono ou dona do mundo!!!
Os exemplos são incontáveis em todas as áreas, com exceção, é claro, dos aspectos físicos e pessoais de cada um... Com o passar do tempo todo homem deixa de ser um “gavião” para se transformar em um “condor”... com dor disto, com dor daquilo...
O que me veio à memória desta vez foi o serviço de Circular de Tatuí, que antigamente pertencia aos irmãos Nardão e Arlindo da Circular, dois dos homens mais trabalhadores e esforçados que já viveram nesta cidade!
O trajeto do serviço de Circular, com os dois irmãos, ia da Estação Ferroviária até o alto da Santa Cruz, passando pela Praça da Matriz, Largo do Mercado, parte do Boqueirão, Bairro 400... enfim, passava pelos locais mais importantes da cidade.
Entretanto, se o serviço pretendia atender aos requisitos dos passageiros, os veículos, para se dizer o mínimo, deixavam a desejar... Puxa, até nem combina a frase “deixavam a desejar” com os ônibus dos irmãos Nardo e Arlindo! Eram horríveis, feios, velhos, fedidos... qualquer adjetivo depreciativo combina mais que essa frase! Mas os dois irmãos tentavam fazer com que a prestação de serviço de transporte urbano de passageiros em Tatuí fosse um bom serviço, o que não acontecia. Se alguém tomasse o ônibus para ir até a Estação pegar um trem, provavelmente faria o resto da viagem com a roupa suja... a circular de Tatuí não perdoava ninguém: sujava homens, mulheres e crianças com seus bancos rasgados e encardidos.
Isso quando chegavam ao destino, pois a praxe era ficar pelo meio da viagem - quebravam o tempo todo.
Quebravam sim, mas não ficavam paradas, pois os dois irmãos, além de motoristas, eram mecânicos muito competentes e, com um pedaço de arame, alicate, martelo e chave de fenda faziam verdadeiros milagres! Enquanto existisse um pedaço de arame havia conserto e, claro, uma circular rodando em Tatuí.
Só que, como já falei, os ônibus eram horrorosos. A única coisa que não faltava no serviço de transporte urbano de passageiros era serviço para os dois irmãos. Passavam o dia todo fazendo mágicas pra dirigir aqueles museus ambulantes e a noite tinham que trocar a caixa de câmbio, o radiador, ou mesmo dar uma “retificadazinha” no motor.
O trabalho era incessante. Quem passasse a noite em frente à Estação Ferroviária poderia “assistir” ao Nardo ou o Arlindo fazendo reparos nos veículos... era lá, no pátio existente na frente da Estação que os ônibus “repousavam” do trabalho diurno e, quase todas as noites, sofriam os reparos necessários para mais um dia de trabalho (e novos problemas)...
Mas como um dos itens mais problemáticos era o aspecto externo, Nardão e Arlindo resolveram reformar um dos ônibus, para tentar melhorar a imagem da trabalhosa empresa de Circular.
Escolheram um dos veículos que não estava muito ruim, ou pelo menos, o menos ruim, e começaram a reformar... arruma aqui, arruma ali, remenda aqui e acolá... repara uma goteira ali – ah, isso sim, tinha aos montes... diziam que quando chovia, dentro dos ônibus molhava mais que na rua.
As ferramentas eram as de sempre: alicate, chave de fenda e martelo. O material também não fugia do velho e multifuncional arame. Mas precisavam pintar. Compraram tinta, mas não tinham compressor para pintura. Que fazer? As oficinas especializadas queriam cobrar um valor irreal para a receita dos irmãos. Improvisar foi a solução! Isso não era novidade, os ônibus utilizavam mais improvisação que combustível no dia-a-dia.
Bomba de Flit! Isso mesmo: pintar com bomba de Flit, aquele antigo veneno contra moscas, mosquitos e pernilongos. 


A coisa era simples: temperava a tinta com thinner, bem fininha, colocava no depósito da bombinha e pronto, era só bombear...
O Pipa – quem se lembra da bicicletaria do Pipa? – sempre pintava bicicletas com “bomba de flit” e ficavam ótimas!
Mas bicicleta é uma coisa, ônibus é outra coisa! Outra coisa muito, mas muito maior! Nisso residia a dificuldade dos irmãos... A bomba de Flit tinha capacidade para pintar uma área muito reduzida... e o ônibus era imenso.
Bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear, bombear…
Essa foi a rotina durante incontáveis dias! BOMBEAR a danada bombinha de Flit!
Mas conseguiram pintar o ônibus inteiro... quer dizer, inteiro não, pois o teto não pintaram com a bombinha, “porque ninguém enxerga lá em cima mesmo...” alegaram!
Mas todo esse esforço teve uma consequência inesperada! De tanto esforço dedicado ao bombeamento desse equipamento, os dois, Nardão e Arlindo, ficaram com os braços engrossados... mais grossos que os braços do Popeye!!!
Duvidam de alguma coisa? O Arlindo da Circular, infelizmente já faleceu, mas o Nardão está vivo e muito bem de saúde... Ele pode confirmar toda esta história!

Postado por Francisco Campos (Fran) em seu CASOS TATUIANOS
 

Um comentário:

  1. O Arlindo e meu pai tudo que você relatou e verdade pena que os dois se foram

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