Fundadores: Martim Afonso de Sousa.
Data da fundação: 22 de janeiro de 1532.
É crença generalizada admitir-se que a ocupação do litoral vicentino se tenha dado a partir da chegada de Martim Afonso, em 1532.
Entretanto, louvando-nos no magnífico trabalho de Francisco Martins dos Santos, “História de Santos”, vol I, São Vicente é nome que já aparece assinalado desde 1502, 1503, 1506 e 1508, nos mapas da época, como ilha, porto e povoado, sob várias denominações, como “San Vicentino”, “Sanbicente”, “San Vincenzo” e “San Vicento”.
Recorda-nos, aliás, Eugênio Teixeira de Castro em citação de Affonso de E. Taunay na obra “De Brasilae Rebus Pluribus” que “já antes de 1532 (São Vicente) era ponto da nossa costa assinalado nos mapas por uma torre à beira-mar”. Esse local seria conhecido então por Tumiaru, cujo nome em língua tupi-guarani, não obstante corruptela, devia designar um farol, pois, a exemplo da palavra Turiaçu, que o eminente tupinólogo, prof. Plínio Airosa traduz por fogaréu, aquela faz supor um fogo solitário, ou farol. Além disso, era costume acender fogueira, a fim de avisar os barcos em alto mas para se aproximarem do porto, sendo fato inconteste haver Martim Afonso deparado com esses entrepostos, a exemplo de Iguape e Cananéia, onde aventureiros brancos, arribados entre embarcadiços ou degredados portugueses, associados a morubixabas, praticavam comércio clandestino com navegadores estrangeiros, vendendo, além dos produtos da terra, pimenta, farinha de mandioca e escravos indígenas para equipagem de caravelas ou estivadores.
Benedito Calixto reforça tais argumentos no sentido de localizar a primitiva Tumiaru no início da Avenida Capitão-Mor Aguiar, em São Vicente, nas proximidades do Porto Velho do Tumiaru, referindo-se ao achado por volta de 1887, de vários objetivos de uso doméstico índio, numa escavação ali procedida por ordem do Major Sertório, de onde conta o historiador praiano haver retirado ídolos, igaçabas e outras peças de cerâmica que encaminhara ao Museu Histórico.
Assim, a Martim Afonso de Souza apenas coube a colonização regular, elevando-se também a categoria de vila, dado ao antigo povoado existente desde 1510, em sua nova expansão, o que vale dizer a renovação ou refundação oficial de São Vicente.
A partir de então, vários são os registros sobre as tropelias de aventureiros portugueses e espanhóis que atingiram essa parte do hemisfério que seja à cata do precioso pau-brasil, quer seja à procura das lendárias minas de prata de Manco e Huana Capac, ou ainda atraídos simplesmente pelo novo campo vasto e livre, onde a mercancia humana, explorando uma raça desconhecida, poderia ser o início de uma nova fortuna.
De 1501 em diante, data o início da prolongação das nossas costas em exposições oficiais e não-oficiais, e, entre elas algumas e grande significação para São Vicente.
Duas entre elas se destacam pela sua importância, ou seja, a primeira em 1516, quando Cristóvão Jacques traz, a bordo, Pero Capico como Capitão de São Vicente, e a realizada em 21 de junho de 1526, em que passa por São Vicente e segue até “rio Prata”, trazendo em sua companhia, e como pilotos, Diogo Leite, seu irmão Gonçalo Leite e Gaspar Corrêa.
Cristóvão Jacques viera então investido das funções de Guarda-Costa, Capitão-Mor, como cita D. Rodrigo de Acunã em sua carta ao Rei de Portugal, ou Governador das Terras do Brasil, como declara o próprio Rei em documento de 1526, com estabelecimento na feitoria de Itamaracá, em Pernambuco.
A grande importância dessa segunda viagem de Cristóvão Jacques reside no fato de, quando de seu retorno à Europa, levar a Pero Capico, por ordem do Rei, ficando em lugar deste, como Capitão, Antônio Ribeiro, empossado em 26 de outubro de 1528.
A presença de Antônio Ribeiro vem trazer profundas modificações na vida do povoado.
Afinal, em 3 de dezembro de 1530, parte de Lisboa a primeira expedição colonizadora, comandada por Martim Afonso de Souza, compondo-se a armada das caravelas “Princesa”, “Rosa”, do galeão “São Vicente” e da nau “São Miguel”, trazendo em bojo várias centenas de povoadores, e, entre eles, artífices e tropas de ocupação.
Segundo Alfredo Ellis Jr., em seu “Resumo de História de São Paulo”, citando Frei Gaspar, teriam sido eles os primeiros povoadores de São Vicente: Pero de Góes da Silveira, Luís de Góes da Silveira, Scipião de Góes, filho de Pero, e Luiz de Góes; Isabel Leitão, tio do precedente de João Gonçalves Zarco; Pero Leme, filho do anterior e natural de Funchal, também fidalgo; Leonor de Leme, filha do procedente, Braz Esteves, também de Funchal, José Adôrno, Francisco Adôrno, Paulo Dias Adôrno, que mais tarde passou-se para Bahia, onde se casou com a filha de Caramuru; Catarina Monteiro, Cristóvão Monteiro, Jerônimo Leitão, Ruy Pinto, Francisco Pinto, Baltazar Borges, Antônio Adôrno, Antônio de Oliveira, fidalgo, segundo lugar-tenente do Donatário Braz Cubas; Cristóvão de Aguiar Altero, Antônio Rodrigues de Almeida, também cavaleiro e fidalgo; João Pires Cubas, pai de Braz Cubas, Francisco Nunes Cubas, estes três, irmãos de Braz Cubas; Jorge Pires, Pedro Colaço, Jorge Ferreira, Antônio Proença, Pedro Figueiredo e muitos outros.
Para Francisco Martins dos Santos, entre os estrangeiros estabelecidos em São Vicente de cinco a trinta anos antes da vinda de Martim Afonso, contam-se como os principais o “bacharel” Gonçalo da Costa, Duarte Perez, Mestre Cosme Montes, Francisco Chaves, Aleixo Garcia e João Ramalho.
Afora outros elementos que tiveram relação com o porto e o primitivo povoado, citam-se D. Rodrigo de Acunã e Ruy Moschera, chefe de um grupo espanhol que fora afugentado do “rio da Prata” pelos índios Querendis, e que se fixou em Iguape.
No entanto, dentre todos esses, o mais famoso pelo seu caráter lendário foi, sem dúvida, o “bacharel”, que tantas vezes será citado na história de Santos e São Vicente.
Quem seria esse “bacharel”?
Ao que parece, seria um degredado português, homem ilustre e fidalgo, que, atingido pela punição de algum crime político ou de outra ordem qualquer, para aqui teria sido desterrado, vindo na armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio, sendo deixado em Cananéia, considerado o último porto da costa, dentro dos direitos portugueses. Dali rumou para São Vicente, certamente por ter reconhecido sua superioridade e melhor localização, quando por lá passara na Armada que o trouxera.
Quanto ao seu nome divergem os autores. Para uns seria Duarte Perez, como afirma Charlevoix e autores espanhóis. Outros são de opinião que fosso Antônio Rodrigues, ou João Ramalho.
Baseamo-nos mais uma vez no trabalho de Francisco Martins dos Santos, em que afirmasse historiador ser o famoso “bacharel” de São Vicente, Iguape ou Cananéia o Mestre Cosme Fernandes, vindo para o Brasil em 1501, coma armada de Américo Vespúcio.
Para isso apóia-se em uma escritura de Antônio de oliveira, Capitão-Mor de São Vicente, lavrada nessa vila, em 25 de maio de 1542, segundo o qual, Gonçalo Monteiro, antigo capitão de São Vicente, fazia doação de terras a “Um Mestre Cosme, Bacharel”.
Entretanto, o mais interessante deles seria o genro do “bacharel”, Gonçalo da Costa, que teria vindo para São Vicente em 1510, e que, por volta de 1520, teria se casado com uma das filhas do “bacharel”, associando-se a ele em todos os seus empreendimentos. Gonçalo da Costa teria passado cerca de 20 anos em São Vicente, quando percorreu toda a costa sul do Brasil, tornando-se um dos maiores conhecedores do “rio da Prata”.
Mais tarde, Gonçalo da Costa, que embarca para Portugal, a pedido de seu sogro, iria defende-lo das intrigas do Capitão Antônio Ribeiro, que intimara o “bacharel” a abandonar a região de São Vicente, retirando-se para Cananéia, lugar primitivamente designado para cumprimento de seu degredo. Não conseguindo Mercê do Rei, Gonçalo da Costa abandona inesperadamente as terras portuguesas indo-se para por ao serviço da Espanha, em cujas armadas iria servir e servir e ser um dos fundadores de Buenos Aires.
A fundação de São Vicente é, pois, coisa muito anterior a vinda de Martim Afonso, que fez apenas refundar, oficialmente, São Vicente, uma vez que ali não só viviam portugueses como índios, afora aqueles que desciam constantemente do planalto como João Ramalho e Antônio Rodrigues.
Desembarcando Martim Afonso, fez dedicar a Casa do Conselho, Igreja, pelourinho, estaleiro, fortim e mais casas necessárias a habitação dos colonos e serviço de administração.
Aí também fez construir um engenho de cana-de-açúcar, o primeiro do Brasil, açúcar esse que iria enriquecer as colônias do Norte e que não foi benévolo para a Capitania de Martim Afonso e a dos eu irmão, Pero Lopes de Souza, e, a conselho de Afonso Rodrigues, fez o povoador levantar outro fortim, na ponta de Santo Amaro, junto à Barra de Bertioga.
Esse povoado, no entanto, não crescia sem vicissitudes, pois estava em vias de desabar sobre ele grandes desastres. Primeiro foram os Tamoios, que, vendo os estrangeiros chegarem, não para traficar, mas para ficar, começaram a dar mostras de insopitável hostilidade. A atitude ameaçadora dos índios, a mando de Caiube, teria deflagrado em ação exterminadora, se não acudisse João Ramalho, vindo de Borda do Campo, com seu sogro Tibiriçá. Acalmados os indígenas, tratou Martim Afonso de organizar a administração da colônia, nomeando juízes do povo, escrivães, meirinhos, almotacés e mais servidores públicos, subindo então ao planalto, conduzido por João Ramalho.
De regresso, e deixando em perfeitas condições o primeiro núcleo fundado no Brasil, Martim Afonso, em 1531, regressou a Portugal, deixando como seu lugar-tenente, a pedido de sua esposa, D. Ana Pimentel, o Padre Gonçalo Monteiro, vigário da colônia.
A pacificação dos Tamoios, contudo, não fora definitiva. Antes, porém, que eles de novo reabalassem, surgiu nova calamidade. É que certo dia, desembarca em Iguape, fugindo do Prata, o espanhol Ruy Moachera, que, solidarizado ao grupo de forcas do “bacharel”, enfrenta as ordens de Gonçalo Monteiro. Esse intima-os a partir, no que não é obedecido por Moschera, que alegra não estar a América ainda dividida entre os reis de Portugal e Espanha e que, quando não fosse, estava disposto a aí permanecer. Gonçalo Monteiro o ataca, sendo, no entanto, suas forças desbaratada.
Animado pelo sucesso, cai o corsário sobre São Vicente, saqueia-lhe o porto, pilha os armazéns, carrega o que pode e foge para o Sul, de onde não mais regressa.
Sucede a Gonçalo Monteiro na administração da colônia o Capitão-Mor Antônio de Oliveira, nomeado pela esposa de Martim Afonso. Pouco depois, por volta de 1542, novo desastre se abate sobre os vicentinos. O mar, avançando pouco a pouco, devora a praia, entra pelo e sepulta sob as águas a matriz, a Casa do Conselho, a cadeia, os estabelecimentos e inúmeras residências. Reconstrói-se a vila pouco adiante.
Mas o novo ataque dos índios alarma a colônia. Apanhada sem defesa – pois os homens haviam partido em socorro do Rio de Janeiro, fundado pouco antes – os Tamoios devastam as fazendas e na sua retirada levam consigo quatro mulheres. Pouco tempo depois novos ataques que, este, porém repelido, sendo os índios perseguidos até suas aldeias, de onde são trazidas quatro raptadas. Nada quebranta o animo dos vicentinos. Mesmo em luta com os selvagens, vão eles por duas vezes, em 1567 e 1580, em socorro do Rio de Janeiro, ameaçados de invasão pelos franceses.
Não param aí as lutas dos vicentinos. Novos infortúnios virão o pequeno burgo conhecer. Corsário e bucaneios varrem suas naus armadas em corso os mares da América, assaltando sumacas e galeões, e as vilas do litoral. Hawkins, Drake, Morgan, Fenton, Cavendish, Parker, Bartolomeu Português, Roque Brasiliano, Diego El Mulato, Francisco Nau, Mansvelt e centenas de outros, enxameiam os mares, conduzindo carracas, bergantins, urcas, fragatas e espalhando o terror nos povoados mal defendidos.
O Brasil também não escapa à ganância dos corsários. E, no Brasil, São Vicente foi uma das vítimas.
No dia 25 de dezembro de 1591, um pirata inglês, Thomas Cavendish, fundeava fora da barra, em Santos, e remetia 23 homens armados numa chalupa, alta noite, com a incumbência de saquearem o porto e os armazéns. Sendo dia de Natal, grande parte da população achava-se na Igreja. Os homens da chalupa, sob o comando de Cook, cercam o templo e, conservando o povo lá dentro sob a ameaça de suas armas, entregam-se ao saque e às orgias.
Isso deu azo a que o povo pudesse escapar da Igreja e fugir da vila, carregando consigo tudo que pudesse servir de presa aos flibusteiros. Dias depois, não regressando Cook às naus que se mantinham fora da barra, veio Cavendish à vila, com mais homens, e que encontrando-as abandonadas, embarcam de novo. Levantaram ferro, mas ao passarem por São Vicente, aí aportam e friamente põem fogo na povoação, rumando em seguida para o sul. Como um temporal os surpreendesse em caminho, regressam a Santos e tentam pilhar novamente o porto e arrebatar a todo custo os viveres que ali existiam. Porém são enfrentados pela população, que os derrota.
Em 1615, o Almirante batavo Joris van Spilbergen, invadindo o porto de Santos, envia parte de sua esquadra em busca de viveres em São Vicente. Ali ocupam o engenho, e por mais de uma vez entram em luta com os vicentinos e moradores de São Paulo, que para ali acudiram em socorro, ao mando do bandeirante Sebastião Preto. Já há esse tempo entrava São Vicente em decadência. Atraídos pela nova povoação que se fundara nos Campos de Piratininga e pelo surto de bandeirismo após a extinção de Santo André da Borda do Campo, os vicentinos iam pouco a pouco abandonando a Capital do feudo de Martim Afonso.
Com a fundação de São Paulo, essa decadência mais se acentua. Deixando de ser cabeça de capitania desde 1624, em benefício de Itanhaém, em conseqüência de questões entre herdeiros de Martim Afonso, para voltar a readquirir o título em 1679, pouco depois o perdia em definitivo para São Paulo, escolhido para a sede do governo.
Isto mais contribuiu para a completa paralisação da vida vicentina – que assim veio num progressivo marasmo, até o século XIX, ao mesmo tempo a capitania de São Paulo decaia sensivelmente num pauperismo inglório, após haver derrotado de ouro as arcas da Metrópole.
Em 1836, segundo um quadro estatístico da Província de São Paulo, organizado pelo Marechal Daniel Pedro Muller, São Vicente não possuía nenhuma escola, e quanto ao resto...”sua dificultosa barra concorreu para que a maior parte dos seus habitantes elegessem a posição da vila de Santos, a afluíssem para esta, que tem engrandecido enquanto que aquela tem ido em decadência. Contém 745 habitantes. Tem na vila edifícios públicos, tais como: a Matriz, com a inovação do São Vicente, e a Casa da Câmara”.
Azevedo Marques, escrevendo seus preciosos “Apontamentos”, por volta de 1870, diz melancolicamente: “A má escolha do local e ao progresso da povoação de Santos, começada em 1540, deve a vila de São Vicente sua rápida decadência, que parece terminará com a extinção da povoação. Além da Matriz, a vila de São Vicente possui apenas a Casa da Câmara, em cujo edifício está também a sala de detenção”.
Mas esse sombrio prognóstico não se realizou. São Vicente, que através dos séculos resistira a todas as vicissitudes, numa soberana vontade de sobreviver, venceu a sua própria decadência e ingressou no século XX. E aquilo que mais fortemente contribuiu para o seu declínio – a sua inadaptação para porto comercial – foi o que, aliado à suavidade do seu clima, deu impulso à urbe vicentina, transformando-a em uma das jóias do nosso litoral.
São Vicente, primeiro município brasileiro, em ordem de antiguidade, portanto, “Cellula Mater” da Nação, sofreu as mesmas crises do crescimento do resto do País, em sua linga trajetória histórica. E, hoje, com os seus arranha-céus, sua vida fabricante, suas praias encantadoras, é afirmação do que pode a vontade e o arrojo, postos a serviço de progresso.
Origem do nome
Por ter Martim Afonso de Sousa fundado a vila no dia de São Vicente.
Fonte: Dr. Pintassilgo.
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