sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

HELVECIO DE BARROS, POETA DE BAURU


De Bauru - cidade onde nunca estive - Helvecio de Barros manda-me uma carta datada do último dia do ano passado, juntamente com um velho recorte de jornal, amarfanhado e amarelado pelo tempo.
Helvecio de Barros...
Procurem este nome no livro de Almirante, "No Tempo de Noel Rosa" - e lá o encontrarão, como integrante do famoso, do quase legendário "Bando dos Tangarás", ao lado de Noel, de João de Barro, Alvinho, Caluá, Jaci Pereira e do próprio Almirante.
Um nome, portanto, que está integrado à história da música popular brasileira.
Antigo violinista, poeta, hoje funcionário do INPS, residindo em Bauru.
Tudo isto ele me conta na carta (não nos conhecemos pessoalmente). E diz mais: "Velho colecionador de reminiscências, trago-lhe aqui hoje um recorte de jornal que há de falar ao seu coração e a sua sensibilidade de festejado homem de letras".
Uma velha crônica, publicada na desaparecida "A Nação", do Rio de Janeiro, no dia 26 de fevereiro de 1933.
"Carnaval" é o título.
"E o luar continua indiferente no carnaval... Vítima de todas as lendas, ainda é, no céu vasto demais, o ponto de referência de todos os lirismos vagabundos... Chô, tristeza!... Voa pros livros de capa preta dos poetas românticos e tuberculosos!".
Procuro, ao pé da crônica, o nome do cronista. E surpreendo-me, estranhamente comovido, ao encontrar o meu próprio nome.
Palavra que nem mais me lembrava!
Procuro vislumbrar, olhando para trás, no tempo - espessa muralha de tantos dias mortos - o rapaz de vinte e cinco anos que eu era então; e mal posso reconhecê-lo.
O próprio timbre de voz é diferente.
E uma petulância, um atrevimento que já não mais fazem parte do meu ser atual.
Leio quase sem compreender:
" Que culpa tenho eu, afinal, se o mundo roda em torno de mim trezentos e sessenta e cinco dias e seis horas de burrice? Positivamente, é demais! Que a burrice seja necessária ao mundo, admito; e comigo a maioria dos homens. Uns por delicadeza, outros por egoísmo. Quase todos por conveniência própria e necessidade...".
Ah! Estouvada, imprudente, arrogante mocidade!
No fundo, tudo falso, contrafeito, "pour épater"...
A pose meio cínica não tinha outra preocupação senão a de escandalizar os mais velhos:
" E o cheiro do éter, caramba!... Bom, bom, bom como um bom-bom. Muito mais bom. E a menina de corpo harmonioso que está meio sobrando na confusão. E o adolescente que se vestiu de mulher e ficou uma belezinha. E os pretos que viraram índios. E todos que viraram pretos. E a minha namorada que vai naquele automóvel com uma porção de rapazes que eu nunca vi... Que bom o Carnaval!".
- Esse rapaz é doido! - diriam, provavelmente, os circunspectos leitores de mais idade, passando os olhos distraídos por esses alegres desvarios.
E era isso, precisamente isso mesmo, que interessava.
Era isso que se queria.
Porque, no fundo...
Não sei, já faz tanto tempo!
Mas suspeito vagamente que todo aquele éter cheirado, aqueles adolescentes em "travesti" e aquela namorada vista com tanta displicência nos braços de outros, não passavam de literatura...
Não é mais ou menos assim que fazem os moços de hoje?

Crônica de L. M. publicada no "Estadão" de 07.01.1968, intitulada "UM CARNAVAL MUITO ANTIGO"

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