CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FEZ UM POEMA PARA A CIDADE DE RUBINEIA
Os Submersos
A princípio é meio estranho, não? Compreendo, depois a gente se habitua. Nenhuma casa em que moramos se entrega imediatamente. É preciso entendê-la, conquistá-la. E casa de água, então? Uma rua de água, placa indicando esquina de água a transeuntes peixes. Não é todo dia que um objeto destinado a servir debaixo do sol se encontra em semelhante situação.
Já sei, poeta Bandeira, que você está rindo, achando graça no desconforto líquido, captando com olhar agudo a mobilidade de tons diferentes de água, para lhes atribuir correspondência verbal.
E você, poeta Cecília, o que conta dessa viagem às vidas submersas, às Holandas hidroelétricas, país de água de Ilha Solteira que romanceiro algum ainda não cantou. Está conferindo o verde de seus olhos com esse verde piscina?
Olha: aquele velhinho ali foi seu vizinho aos tempos de Cosme Velho. Uma reverência a Machado de Assis, mesmo em camadas profundas, precisamente belas, é de bom preceito.
O ácido Graciliano está mais adiante e ainda não se conformou em ser nome de rua. Acha que tudo isso é palhaçada.
Não importa.
Se os nomes falam entre si, as placas também dialogam e a dele tem um bom papo de quem viveu momentos fortes e, como ele, sabe comunicar-lhes a emoção em linguagem ríspida.
A represa não é um cárcere, como aquele em que o romancista ruminou por faltas não cometidas. É uma nova Rubineia, isentadas limitações municipais da superfície. Sem trânsito de veículos assustadores, sem impostos, papéis, discursos, notícias, bases mil, que toda cidade se corta.
Percebo, afinal, essa é a Pasárgada de Manuel Bandeira, oculta em oito milhões de metros cúbicos de água.
Eis aí meus caros amigos: a vocês uma boa sorte e muito progresso e alegria.
"Carlos Drummond de Andrade".
--- Poema escrito em 1973 em homenagem às placas de ruas submersas em Rubineia.
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