segunda-feira, 23 de novembro de 2015

"NHÔ" BENEDITO GERALDO

Ele era um preto retinto, mas era o preto mais puro que já conheci, tal era a beleza de sua alma. 
Já era entrado em anos, porém, sempre jovem, com um sorriso bonito, permanentemente solto nos lábios grossos; sorriso de gente feliz porque não tinha maldade na alma. 
Chamavam-no também de “NHO”.
Tinha sua profissão, que nunca eu soube qual era. Mas havia uma outra profissão na qual era artista. 
Era artista para tanger os sinos da matriz. E como os tangia... Quando o sonoro sino grande deixava evolar nos ares seus sons, a gente já sabia quem o tangia. 
Era ... o “NHO”.
E nesse tanger, nesse repicar ele punha toda a sua alma, toda a sua emoção, toda a doçura do seu grande e resplendente coração. 
Parecia que a beleza que morava dentro da sua alma, da sua doce alma, transportava-se para os sinos todos, a dizer através dos ares, enchendo a terra toda, que ele amava a cidade lá embaixo e o seu bom povo. 
E esses sons iam de quebrada em quebrada, a dizer sonoramente, que era verdade esse bem querer...
Havia uma festa? Pelo toque do sino, a gente sabia que era preciso ficar alegre e todos se alegravam... 
Como não? O “Dito” estava mandando os sons, como prelúdio de alegria... 
Quantas vezes, ouvi minha mãe dizer:
- Escute! Que homem será que morreu? Dito Geraldo está tocando...
- Mas, mamãe, dizia eu, como sabe a senhora se é um homem ou mulher quem acaba de deixar este mundo?
- Ora, respondia, ela, pelo toque do sino a gente sabe. O Nhô avisa! 
E assim todos sabiam se era homem, mulher ou anjinho, que Deus havia chamado para si. 
Na semana santa, o povo era mais contrito, mais triste; o Dito Geraldo punha através dos sinos, mais religião, mais emoção, mais tristeza e arrependimento no coração do povo. 
Era insubstituível. 
Quando alguém se propunha a tanger os sinos amados, em lugar do Benedito Geraldo, todos diziam: Qual... Como “ele”, não há ninguém.
Quem não conhece o jeito de repicar “dele”?
Mas um dia o Dito Geraldo morreu. Foi juntar-se aos homens, mulheres, que ele tinha acompanhado com os seus sons, até a entrada nos céus.
Quando seu corpo, levado em caixão humilde pelo povo que o amava, percorria as ruas da cidade, tantas vezes cheias de sons bonitos que ele mandava lá da velha torre, o sino permaneceu mudo.
- Como!?...alguém disse. Não tangem o sino para ele, que tanto tangeu para nós? 
Nesse momento lá do alto da torre, alguém fez o sino soar, chorando baixinho e dorido. Eram sons que feriam a alma; cada pancada, transpassava o coração da gente que o acompanhava até seu último pouso. 
E todos choravam. Todos sabiam que com o corpo frio do querido “Nhô”, iam também os mais belos sons dos velhos sinos.
Só uma pessoa não chorava... 
Só uma sorria desconcertada, envergonhada, talvez. Era a própria alma do Benedito Geraldo, que, envolta nas brumas do infinito, quase a sumir-se, para sempre, na voragem dos tempos, dizia:
- Mas, que diabo será aquele, que está tangendo tão mal, os meus sinos?

Transcrito do Livro "EPOPÉIA DE UM POVO", de Paulo Ferrari Massaro - editado em 1963.

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