sábado, 18 de novembro de 2017

"A MORADA DA JUSTIÇA", EM ITAPETININGA



(por Alberto Isaac para o jornal Correio de Itapetininga)

"O grande rábula, Jango Mendes, não deixou bens materiais, mas soube transformar sua casa em verdadeira trincheira de defesa dos injustiçados. A casa simples, de número 748 na rua Quintino Bocaiuva, não virou museu de visitação, como a de Rui Barbosa. Está sendo demolida e, talvez apague da memória , lentamente , a história que carrega. "
Na antiga capital do Brasil, Rio de Janeiro, existe a rua São Clemente, em Botafogo, onde situa-se a casa de Rui Barbosa. Ele foi estadista e jurisconsulto , nascido na Bahia, um dos fundadores da República do Brasil, da qual foi o primeiro Ministro da Fazenda. Dotado de vasta e variada erudição e de grande eloquência, Rui Barbosa foi embaixador do Brasil na Conferência de Haia (1907) onde representou importante papel. Escreveu, entre outras obras, “O Papa e o Concílio”, “Habeas Corpus” e “Cartas da Inglaterra”. Foi senador e presidente da Academia Brasileira de Letras.
A casa de Rui Barbosa encontra-se aberta a quem interessar.
Com quase o mesmo cabedal de cultura e não menos importante, residiu em Itapetininga, por quase 70 anos, João Batista de Macedo Mendes
Morava com sua família na rua Quintino Bocaiuva, centro da cidade e sua trajetória foi brilhante, digna de exemplo. 
Vindo da bucólica Itaporanga, desembarcou em Itapetininga no início dos anos de 1930. 
O ex-seminarista Jango Mendes, como era conhecido, provisionado, naquela casa simples, mas acolhedora, iniciou sua vida dedicando-se à advocacia. 
Com sacrifício e apoio de sua esposa Arminda, criou seus filhos João Batista Mendes, Desembargador, Rui Mendes, Juiz de Direito, José Mendes advogado, Paulo Mendes, funcionário do Banco do Brasil e as filhas, Ruth, Ester, Lourdes e Benedita, todas diplomadas pela Peixoto Gomide.
Naquela casa, onde a justiça se fazia presente, o humilde, mas grandioso e culto Jango Mendes estudava e preparava suas teses de defesa ou acusações, procurando, com toda imparcialidade, cumprir suas funções, pois “acima de tudo imperava o princípio da justiça, um direito líquido do cidadão”.
Em uma das dependências da residência, logo na entrada, à direita, situava-se o escritório, com estantes de madeira maciça coladas nas paredes, repletas de livros específicos e outros, de vários assuntos e literatura. 
De espírito refinado e sensível, escrevia, para deleitar-se, poemas que versavam sobre a vida, os amores, faces da existência, a natureza, etc. 
Colaborava periodicamente em jornais, assinando artigos ou crônicas no semanário local “Tribuna Popular” e no paulistano “Estado de São Paulo”, o “Estadão”.
Dotado de palavra fácil e atraente, foi diversas vezes orador oficial do Clube Recreativo ( ex Operário) e também chamado constantemente para discursar em solenidades oficiais que se realizavam na cidade. 
Saudou, em Sorocaba, a posse do Bispo D. Ayres de Aguirre, discursou em Itú, sobre a Convenção Republicano, com a presença do político Carlos Lacerda; foi o orador oficial quando da candidatura de Prestes Maia, candidato a prefeito da cidade de São Paulo. 
Defendia com ardor as causas que abraçava e costumava dizer que “ tinha verdadeira compaixão dos injustiçados”. 
Muitas vezes não cobrava proventos dos que necessitavam de seus serviços advocatícios.
Recepcionou com vibrantes palavras, no Largo dos Amores, os candidatos a governador do Estado, Armando Sales de Oliveira e José Bonifácio e os candidatos à presidente do Brasil, Eduardo Gomes e Juarez Távora.
Embora não fosse político, assumiu sua candidatura a prefeito de Itapetininga – por indicação de amigos – mas não conseguiu vencer Waldomiro de Carvalho, então apoiado por Ciro Albuquerque.
Ao entardecer, durante toda a semana, era visto em frente à sua residência, conversando animadamente com seu vizinho, Fernando Pereira de Moraes, considerado um intelectual de ponta. Ao mesmo tempo, mantinha estreita relação de amizade com outros moradores dos arredores: Ezaú Isaac, a família Duarte, Dr Otílio, Samuil Ozi, Constantino Matarazzo, o professor Ziglio, Iapichini, além do clã Sanvito, Mauro Leonel e Santino Basile. 
Convidado a ingressar na Academia Paulista de Letras, declinou da gentileza, embora fosse amigo pessoal de Monteiro Lobato e outros escritores renomados do estado de São Paulo.
O grande rábula, Jango Mendes, não deixou bens materiais, mas soube transformar sua casa em verdadeira trincheira de defesa dos injustiçados. 
A casa simples, de número 745 na rua Quintino Bocaiuva, não virou museu de visitação, como a de Rui Barbosa. 
Está sendo demolida e, talvez apague da memória, lentamente, a história que carrega.

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