quarta-feira, 26 de agosto de 2015

BEZERRA DE MENEZES, O MAIOR VALOR QUE BARRETOS JÁ TEVE

Bezerra de Menezes - Perfil De São Paulo

Não mudou, não se acabou a tua sedução
A garoa cai à toa, pra guardar a tradição
São Paulo, num só minuto, é o Brás, Tietê, Viadutos
Barraca de flores e a multidão
Os pardais em madrigais, o sol rasgando a cerração
E a noite, com seus pintores, apagando e acenando em cores
Teu nome no meu coração

São Paulo tem suas melodias. "Sampa", "Ronda", "Lampião de Gás", "Bonde Camarão" ...Há o "Hino do Quarto Centenário", um dobrado do nível de John Phillip de Souza, de autoria de Garoto e Chiquinho do Acordeon, e ainda um outro hino de Mário Zan, que muitos confundem com o de Garoto. Mas talvez a música mais bonita já composta para a cidade seja "Perfil de São Paulo", de um compositor de Barretos, falecido em 30 de junho de 1995, Francisco de Assis Bezerra Menezes, advogado boêmio, formado no Largo São Francisco, integrante das caravanas musicais dos tempos de estudante e, depois, compositor com alguns sucessos expressivos.
Na Faculdade de Direito, Bezerrinha (como era chamado) fazia parte de um grupo eclético, que incluía Paulo Autran, Renato Consorte, Paulo Vanzolini, todos envolvidos com arte, nenhum pensando em ser profissional. Semanalmente se reuniam na casa de Inezita Barroso, cujo marido era da faculdade.
Antes disso, nos anos 40, Bezerrinha decidiu ser expedicionário para conhecer a Itália. Voltou, entrou na faculdade e na boemia. Em novembro de 1953 - me informa o meu amigo Pelão -, venceu o concurso de Hino do Quarto Centenário promovido pela rádio Excelsior, hoje CBN. O primeiro intérprete desse clássico foi Silvio Caldas. O segundo, a Orquestra de Luiz Arruda Paes. Depois, Inezita, Agnaldo Rayol, Jair Rodrigues.
Bezerrinha voltou para Barretos e sua casa se tornou centro de boemia de todos os cantores que se apresentavam na cidade. Vez por outra Inezita ia para lá e varavam a noite, Bezerrinha ao piano e sua mulher Lígia, carioca de erre puxado e boa cantora.
Antes mesmo do prêmio, em 1952, visitando Barretos, antes de uma síncope nervosa com a notícia da morte de Francisco Alves, Isaurinha Garcia conheceu e depois gravou "Estava Escrito" ("Estava escrito / desde o começo / que eu te amaria / a qualquer preço"). Ela aprendeu a música por meio de um alfaiate da cidade, metido a maestro, que depois se transformaria em um dos principais arranjadores brasileiros, o rei dos metais Élcio Álvares.
A primeira música gravada de Bezerrinha foi com Albertinho Fortuna, cantor de voz aveludada que fez sucesso no início dos anos 50. Foi "Triste Quarta-Feira" ("Eu sinto que entre nós / nada mais existe nesta quarta-feira"). Depois, a belíssima vedete Luely Figueiró foi inaugurar uma loja em Barretos, conheceu o repertório de Bezerrinha e gravou "Miragem", regravada depois por Rosana Toledo e pelo Conjunto Farroupilha, segundo me conta o radialista José Vicente Dias Leme, memória viva da cidade.
Emérito boêmio, Bezerrinha compunha desde músicas da noite, sambas canções, até modas de viola divertidíssimas, como "Burro Chucro" ("Amontei num burro chucro / mode uma aposta ganhá"). É dele também "A Festa do Peão", que se transformou no hino oficial de Barretos.
O nome de Bezerrinha não consta de nenhuma enciclopédia de música. Pelão promete um CD com músicas dele. Dias Leme é o grande defensor de sua memória. Ambos concordam que uma de suas músicas inéditas, "Bom dia São Paulo", é o clássico definitivo sobre a cidade.
Ainda dá tempo de algum artista sensível correr até Barretos, atrás da família, recuperar o "Bom Dia São Paulo" e, no dia 25, oferecer a primeira audição para a cidade:

"Boa noite meu viaduto do Chá / vou chegar até o Paysandu / o Ponto Chic me espera por lá / o chopp gelado e o bauru / São pequenas coisinhas / que prendem São Paulo no coração".

"Boa noite Bexiga / cigarra boêmia / de um mundo bonito demais / e antes que pinte o amanhã / um chateaubriand no velho Morais".
A arte musical de Bezerra de Menezes precisa de um estudo mais amplo. Falta até mesmo a edição do conjunto de sua obra, com gravações produzidas com talento. Talvez um dia o Pelão tome coragem e execute o projeto.
Com toda certeza, Francisco de Assis Bezerra de Menezes será sempre o principal compositor da terra, não apenas como o autor consagrado de Perfil de São Paulo. Há uma cumplicidade entre os barretenses e as muitas facetas do advogado e compositor e sua veneração pela noite. A noite na obra de Bezerra de Menezes é tempo de luz de amor e vida.
Até mesmo quando a canção fala do dia, Bezerra de Menezes começa homenageando a noite. É o que acontece em "Meu boa noite viaduto do Chá, vou chegar até o Paissandu".
- Sou madrugada sem sono, sem rumo sem dono - diz a letra de Bom Dia São Paulo.
A gravação doméstica de Garçom de Bar, feita por Lígia Guerra Bezerra, conta o drama de um freguês em busca de um amigo para "me desabafar". Por fim, o garçom lembra que também ama e "noite após noite, o bar fechado, não sei quanto desgraçado eu servi para consolar".
- Hoje, afinal, sou eu quem digo, eu preciso de um amigo, para me desabafar - conclui o garçom.
Mas é com Zé Madrugada que Bezerra de Menezes introduz o personagem eterno da noite barretense. Ao narrar a morte do boêmio "sem uma vela, sem ninguém", o autor relata a trajetória de José Batista de Andrada, vulgo Zé Madrugada, cuja riqueza era a lua e as estrelas do céu. Homem, portanto, da noite plena.
- Foi-se Zé Madrugada, de mãos com a noite morreu, morreu.
O passamento é coroado pelo sentimento de perda da própria noite, na visão melódica de Bezerra de Menezes. Quando Zé Madrugada morreu, "os astros nem mais brilharam, de luto até se apagaram e a lua no céu se escondeu!".
A paixão do compositor pela noite é tão forte que transformou a função do sistema estrelar. Em Sol de Boêmio, Bezerra de Menezes deu nova forma poética ao astro rei.
- Sol de boêmio é a lua. Boêmio vive na rua, mais feliz do que ninguém! - enfatizou.
O barretense diz que a noite imensa, estrelada, o luar, a madrugada, não custa um só vintém para o boêmio. E por isso mesmo, tem uma filosofia existencialista vivendo com intensidade:
- Só quem morre um pouco cada dia sabe realmente o que é viver!
Se impossível concluir a magnitude da obra de Bezerra de Menezes e sua eterna relação com a noite, é admissível entretanto completar o painel artístico do barretense com uma composição incomparável. Afinal "um milhão de madrugadas" só pode ser atingido por um ser mitológico divino. O barretense encontrou na música a maneira de atingir a marca histórica.
- Hoje eu completo um milhão de madrugadas. A noite se enfeitou para me esperar!
A intimidade de Bezerra de Menezes com a noite é tão grande que chega a ser chamado de "velho camarada", na melhor condição de membro de uma irmandade ideológica.
- A noite é velha companheira, mas faz lembrar antigas madrugadas - confessa na melodia.
Depois de dizer que a "lua querida, minha namorada", Bezerra de Menezes completa a canção com festival de imagem poética para comemorar "um milhão de madrugadas":
- No céu há um milhão de estrelas, que se acenderam para me esperar. Vou apaga-las uma a uma, assim que o dia clarear!
Na obra de Bezerra de Menezes, existem "tantos contrastes, vivendo em plena harmonia". Mas assim como "noite sem dia decerto não existiria", também Barretos não haveria de ser o que é sem a música de Bezerra de Menezes.

Luiz Antonio Monteiro, especial para O Diário, transcrito do Migalhas: dr. Pintassilgo

3 comentários:

  1. Tive a felicidade de conhecer Bezerrinha... Fiz o tiro de guerra com seu filho Marcelo, um grande violonista ... Infelizmente somos um pais sem memória ... Tenho saudade daquele tempo de boemia ...

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  2. Sempre gostei imensamente de "Perfil de São Paulo". Cantava aos meus 18 ou 20 anos,
    mias ou menos, Acompanhado por um Tremendo Violonista "DIDA", Na V. Ede, S.Paulo.

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  3. Sempre gostei e cantei várias vezes, "Perfil de São Paulo".

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