sexta-feira, 25 de maio de 2018

O POETA J. MENDES, DE SETE BARRAS

24/05/2007 
Dez anos sem J. Mendes
J.Mendes, no Cartório de Eldorado, década de 1950.

Há dez anos partia deste mundo um grande poeta. Seu nome: João Albano Mendes da Silva, ou, para seus fiéis leitores, apenas J. Mendes. Dez anos sem a presença marcante do “Poeta do Vale”, esse que foi e sempre será o orgulho maior das letras e da inteligência vale-ribeirense.
Amigo de longa data desse obstinado defensor da cultura regional – incansável guardião da memória da poetisa Francisca Júlia, principal expoente feminino do Parnasianismo brasileiro, nascida em Eldorado – não posso deixar de expressar minha grande saudade pelo mestre e irmão de letras.
Toda perda provoca um vazio que nos dá a impressão de termos perdido um pedaço de nós mesmos. E J. Mendes representa essa perda que jamais poderá ser substituída, pois sua figura única de ser humano sensível e intelectual privilegiado deixou um vácuo na cultura regional, que tão cedo não será preenchida.
No princípio da década de 1980, o principal jornal da região era a sempre lembrada A Tribuna do Ribeira, editada em Registro, que pertencia ao grupo A Tribuna, de Santos. Naquele tempo, eu era um dos cronistas do jornal, ao lado de um time seleto composto por J. Mendes e pelo Ipê (Ildefonso Pinto Nogueira). Semanalmente, publicava as minhas crônicas e artigos na tradicional página dois, ali bem debaixo do editorial e da charge sempre humorada e irreverente do cartunista Sesary. Bons tempos aqueles!
Certa ocasião, em fins de 1981, publiquei uma crônica sobre Francisca Júlia, falando de sua importância para as letras nacionais. Imediatamente, J. Mendes escreveu outra crônica convidando-me para ingressar na Academia Eldoradense de Letras. Eis um trecho: “Nós que vimos lutando pela cultura no Vale e do Vale, formulamos aqui o convite para que Roberto Fortes, homem de letras que é, venha somar conosco, na Casa de Francisca Júlia. (...) E juntos continuaremos provando por este Brasil afora que o Vale pode ser a região mais pobre de São Paulo, mercê do Poder Público, mas não o é em valores e tradições culturais.”
A partir de então, passamos a nos corresponder freqüentemente, através de longas cartas, que sempre enfocavam aspectos da cultura do Vale do Ribeira e da literatura em geral. E sempre J. Mendes insistia em minha posse na sua querida Academia. Até que, afinal, tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente em março de 1982, quando nos encontramos casualmente na redação da Tribuna do Ribeira, na época dirigida pelo jornalista Roberto Sassi. No inesperado e proveitoso encontro, o nosso amigo comum, jornalista Rafael Guelta, que também trabalhava na redação, aproveitou a ocasião para nos entrevistar, pois, segundo garantia, éramos “intelectuais” prestigiados (elogio, claro, que atribuímos à amizade que nos devotava).
Naquela ocasião, entabulamos longa conversa sobre vários nuances da cultura, principalmente Literatura e História do Vale do Ribeira. Defendíamos, então, o ensino da História do Vale nas escolas da região e muito nos empenhamos nesse sentido; todavia, não logramos êxito em nosso intento.
Lembro-me de seu jeito calmo e amigo, característica aliás que realçava seu caráter de cidadão abalizado e de homem ligado aos valores do espírito. (Vale lembrar que, na época, J. Mendes já era considerado – com justiça – o mais importante intelectual da região.)
Depois daquele inusitado e inesquecível encontro, fomos nos rever apenas na ocasião de minha posse na Academia Eldoradense de Letras, em agosto de 1983, quando, com toda a sobriedade característica da Casa de Francisca Júlia, recebi meu diploma e minha medalha de acadêmico, até hoje carinhosamente guardados entre minhas relíquias mais preciosas.
J. Mendes, em algum lugar da Eternidade, deve estar rabiscando algum papel, escrevendo alguma crônica, alguma poesia, e – acredito – pensando na sua velha e pacata Xiririca, berço ilustre da imortal Francisca Júlia, terra vetusta de bravos mineradores, mãe de tantos vultos notáveis que marcaram as letras e a cultura regional. Mas, acima, de tudo, a amada terra de João Albano Mendes da Silva, amigo exemplar, intelectual privilegiado, vale-ribeirense cuja vida e obra nos enchem de orgulho.
(JORNAL REGIONAL, nº 723, de 25-5-2007)

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J. Mendes, com a profº Dalva, da Scelisul.

Há dez anos falecia um dos mais importantes vultos das letras e da inteligência vale-ribeirense em todos os tempos: João Albano Mendes da Silva, mais conhecido pelo pseudônimo de “J. Mendes”. Nascido em Sete Barras no dia 26 de setembro de 1918, era filho único do casal de lavradores Tibúrcio Sebastião da Silva e Maria Eugênia de França. Sua família veio para Eldorado (que então se chamava Xiririca) quando João Mendes tinha apenas três meses de idade, estabelecendo-se num sítio localizado no município.
João Mendes cursou até o quarto ano primário no Grupo Escolar de Xiririca, sendo um autodidata. Aos 19 anos, ingressou na agência dos Correios e Telégrafos da cidade, onde trabalhou por alguns anos, até que foi convidado para trabalhar no Cartório do Registro Civil de Eldorado, do qual era escrivão o conhecido poeta eldoradense Domingos Bauer Leite (pai da vice-prefeita de Miracatu, profª Dea Viana Leite Moreira da Silva, e avô do deputado Samuel Moreira). Depois que Bauer se aposentou, João Mendes assumiu a titularidade do Cartório, no qual veio a se aposentar em 1986, após quatro décadas dedicadas ao Registro Civil, onde também acumulou as funções de distribuidor, contador, partidor, avaliador e depositário público do Juízo de Direito da Comarca de Eldorado.
Em 11 de fevereiro de 1950, João Mendes se casou com Maria Helga Ferreira Mendes (mais conhecida por “Dona Nenê”), filha de João Vitorino Ferreira e Dulce Maria de Azevedo Ferreira. De tradicional família eldoradense, dona Maria Helga é irmã de Maria Ursulina Ferreira Carneiro, que foi casada com o ex-prefeito de Eldorado, José Edgar Carneiro dos Santos; José Vitorino Ferreira; Maria do Rosário Ferreira Pinto; João Vitorino Ferreira Filho; e Salvador Roberto da Silva Ferreira. As filhas do casal são Maria Dulce Mendes Leite e Débora Mendes Fagundes, além de quatro netos e uma bisneta.
O despertar da poesia – Por influência do poeta Domingos Bauer Leite, João Mendes teve despertada a sua vocação para a literatura. A partir de 1940, começou a publicar suas crônicas e poesias nos jornais da região, atividade que manteve ininterruptamente por mais de cinquenta anos. Toda a sua produção literária foi cuidadosamente arquivada em dezenas de pastas, que hoje estão sob a guarda de sua viúva. É um valiosíssimo arquivo que, além de poesias e textos literários, também retrata o cotidiano do Vale do Ribeira e sua história.
Em sua longa vida de poeta e cronista, João Mendes recebeu inúmeros prêmios, diplomas e honrarias, entre os quais: sócio honorário da Academia Internacional de Letras e Artes do Círculo do Amor à Vida (1981); Menção Honrosa da Ordem do Campeador (1984); sócio benemérito da The International Academy of Lethers of England (1985); Honra ao Mérito do Clube dos Escritores, Trovadores e Poetas de Conceição da Barra (1985); Honra ao Mérito pela Academia de Letras Municipais do Brasil (1986); Menção Honrosa da Academia Petropolitana de Poesia Raul de Leoni (1986); Magnífico Trovador, pela Ordem Brasileira dos Poetas e Literatura de Cordel, de Salvador, Bahia (1986); etc.
Foi também agraciado com o diploma de comendador conferido pela Soberana Ordem dos Cavaleiros de São Paulo Apóstolo, recebendo ainda o diploma e a medalha de Mérito da Integração Nacional, conferido pela mesma ordem. Foi membro da Casa do Poeta, secções de São Paulo e Santos; da União Brasileira dos Trovadores (sendo delegado em sua cidade); do Movimento Poético Nacional; e teve o seu nome indicado para uma vaga na Academia Internacional de Letras, em seção de 31-8-1978. Participou de encontros culturais em São Paulo, Santos e São Vicente, promovidos pela Casa do Poeta e União dos Trovadores. Idealizou o I Festival de Poesia do Vale do Ribeira, realizado em Eldorado no mês de março de 1976.
O Poeta do Vale – Durante sua intensa atividade literária e jornalística, que exerceu durante mais de meio século, João Mendes colaborou para inúmeros jornais e periódicos, entre os quais: “Folha da Baixada”, onde manteve a coluna “Crônica de Eldorado”; “Diário Popular”, de São Paulo, escrevendo para a seção “Roteiro de Livros”; “Letras da Província”, de Limeira; “Correio do Vale”, de Registro; “Jornal de Itapecerica”, de Itapecerica da Serra; “A Comarca”, de Araçatuba; “A Tribuna de Descalvado”; “Jornal de Mirandópolis”; “O Fanal”, órgão da Casa do Poeta de São Paulo; “A Tribuna do Ribeira”, editado em Registro, pertencente ao grupo “A Tribuna”, de Santos; “A Voz da Poesia”, órgão do Movimento Poético Nacional; “Jornal de Iguape”; etc.
Em sua vida pública, exerceu a vereança em duas legislaturas: 1948 a 1951 e 1952 a 1955, pelo antigo Partido Democrático Social (PDS). Era muito amigo do governador Laudo Natel, que administrou o Estado de São Paulo nos períodos de 1966-1967 e 1971-1975.

Fonte: Roberto Fortes, in Alfarrabios.

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