sexta-feira, 25 de maio de 2018

O PROFESSOR RAIMUNDO PASTOR, DE BOTUCATU

21/06/2012 
Alegrias e tristezas de um professor
Imagine o leitor como deveria ser a vida de um professor primário no início do século XX numa escola rural do Vale do Ribeira. 
Imaginou? 
Parece algo inimaginável, não é mesmo? 
Pois essa experiência pode ser lida no livro “Alegrias, agruras e tristezas de um professor”, de Raimundo Pastor, que lecionou na escola rural de Ribeirão Grande, bairro da antiga Xiririca (hoje Eldorado), lá pelos idos de 1919. 
Suas memórias, que foram publicadas em 1970 pelo Centro do Professorado Paulista, levam o leitor a uma fascinante volta ao passado.
Tomei conhecimento desse livro – e da história do professor Raimundo Pastor – numa crônica que o meu saudoso amigo J. Mendes publicou em sua coluna na antiga “A Tribuna do Ribeira”, em meados da década de 1980. 
Desde então, vasculhei incontáveis sebos à procura dessa relíquia, até que, há alguns meses, consegui localizá-la.
O professor Raimundo Pastor, filho de uma família de imigrantes espanhóis, era natural da região de Botucatu. Dedicando toda a sua vida ao magistério, Pastor se aposentou como delegado de ensino.
Nomeado no dia 11 de junho de 1919 para a escola masculina rural de Ribeirão Grande, em Xiririca, Raimundo Pastor pegou, em Santos, o trem com destino a Juquiá, na estação que ficava na Avenida Ana Costa. 
Chegou à pequena vila de Juquiá às três horas da tarde, cansado, coberto de poeira. 
Na estrada, que não era empedrada, o trem levantava uma “tempestade de pó”, que penetrava pelas janelas.
Juquiá era a estação final da Estrada de Ferro Southern São Paulo Railway. 
Contava com cerca de meia dúzia de casinhas de madeira levantadas à margem do rio Juquiá. 
Tanto a estação como o hotel eram próximos ao rio. 
Pastor nota que a lavagem da cozinha era jogada diretamente no rio. Na época de enchente, tudo ia ao fundo, demorando cerca de uma semana para as águas abaixarem.
A cerca de uns quinhentos metros da estação ferroviária, ficava a Vila de Santo Antônio do Juquiá, à margem direita do rio. 
“As casas”, escreve Pastor, “na maioria de aspecto indigente, esparramam-se, quase em desordem”. 
À chegada do vapor, o povo da vila corria às margens do rio. “É um espetáculo deprimente. A miséria estampa-se na face e no corpo daquela gente. Faces encovadas pela magreza ou inchadas pela opilação. Roupa em frangalhos. Barrigas intumescidas. As crianças, então, apresentam toda a miséria do lar. Descalças, com apenas uma camisinha curta, mostrando todo o resto do corpo nu. Como os pais, apresentam os mesmos sinais de opilação e de desnutrição. Perninhas descarnadas e ventre volumoso. Olhar vítreo, parado, sem expressão de vida.”
Todos eram atraídos pela possibilidade de ganhar algum vintém. 
Alguns ofereciam ao comandante do vapor aves, palmitos ou verduras para a cozinha da embarcação. 
“A gente deixa aquele pessoal com o coração oprimido. Não se pode imaginar que haja no Estado de São Paulo gente tão maltratada da miséria, da doença e da incúria. São farrapos humanos, espectros de gente, criaturas voltadas ao sofrimento.”
Pastor ficou hospedado no único hotel da vila. 
Diga de passagem, sua impressão não foi das melhores: “O hotel de Juquiá era o que havia de pior. Casa de tábuas, assentada rente ao rio. Calor bárbaro, ainda com as janelas abertas. Pernilongos aos turbilhões, transformando a estada do passageiro em tortura indescritível. E, como se isso não bastasse, havia sempre pândegos que gostavam de beber e cantar no botequim do andar térreo, até altas horas da noite, pois não havia horário de abertura ou fechamento”.
No dia seguinte, na hora do desjejum, os hóspedes sentavam-se todos juntos numa mesa longa, “repleta de xícaras e com um bule de café e uma cesta de fatias de pão, que vão passando uns aos outros, da melhor maneira possível. 
Há quem, para tirar uma fatia, apalpa todas as outras, à procura da mais tenra, pois as há de todas as idades. Tomando o café, paga-se a pernoite. A cobrança é efetuada no botequim. Ninguém sai à rua com as malas, sem deixar primeiro o dinheiro”.
Então, era hora de partir para a Barra do Juquiá, de onde Pastor continuaria sua via dolorosa até Xiririca. (continua)

(JORNAL REGIONAL, nº 988, de 22/06/2012).

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