terça-feira, 31 de março de 2015

O OCASO DA CIDADE VERMELHA

A partir de meados dos anos 90, Santos iniciou uma gradual migração para forças consideradas de centro-direita.

Luiz Fernando Yamashiro

"Santos sempre foi cidade difícil. Ao contrário de cidade do Interior, onde as pessoas se apascentam na modorra daquele cotidiano sem grandeza, Santos sempre pareceu aos meus olhos se debater no fogo de suas contradições. Foi a cidade mais vermelhamente comunista do Brasil".
No limiar do século 21, a Santos retratada pelo escritor Nelson Salasar Marques parece uma peça de ficção. Não é. De fato, a cidade que neste ano praticamente sepultou a esquerda nas eleições municipais já foi chamada, um dia, de Porto Vermelho - em alusão à efervescência sindical e à resistência a regimes ditatoriais, como o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945).
No entanto, se a vitória de Barack Obama (N.E.: presidente dos Estados Unidos, que assumiria o cargo em 20 de janeiro de 2009) é considerada por analistas uma guinada à esquerda na terra do Tio Sam, Santos vem percorrendo o caminho inverso há mais de uma década. 
Após cometer o pecado de eleger um prefeito negro e de oposição aos militares em 1968, plena ditadura, os santistas ainda conduziram por duas vezes o PT ao Paço Municipal antes de iniciar, em meados dos anos 90, uma gradual migração para forças consideradas de centro-direita.
No pleito de 2008, o vermelho desbota de vez: juntas, as três candidaturas de esquerda - PT, PSB e PSOL - não atingem um terço dos mais de 190 mil votos que reelegem João Paulo Tavares Papa, do PMDB, à Prefeitura. 
A Cidade, definitivamente, mudara de cor.
Mudou a esquerda? - Para explicar a mudança, aplica-se a teoria do Caos: um muro que cai na Alemanha pode desviar o curso da história no litoral brasileiro.
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Instituto de Pesquisas A Tribuna (IPAT), Alcindo Gonçalves relaciona o fim da cidade vermelha à crise que atinge os partidos de esquerda desde a queda do muro de Berlim, em 1989. 
Cita também a volta da democracia ao Brasil, que teria "esfriado" a polarização direita-esquerda no Município.
Mas é na política local que, segundo ele, está o fator decisivo para a mudança de rumo: o racha no PT, dividido em trincheiras lideradas por Telma de Souza e David Capistrano Filho. 
"A briga, durante o mandato do David, desgasta a imagem do governo e do partido e influi na eleição do Beto Mansur, em 1996, que era oposição frontal a eles", avalia.
A partir dali, continua Alcindo, o PT municipal "se perde, não se renova, não tem um discurso claro" e sofre novas derrotas. O quadro é agravado a partir de 2005, quando escândalos como o mensalão - suposta compra de votos de congressistas para aprovar projetos do Governo Lula - desgastam a legenda em nível nacional. 
"O efeito disso em Santos, onde predomina uma classe média, foi devastador. Tanto é que, em 2006, deputados petistas como Telma, Mariângela Duarte (federais) e Fausto Figueira (estadual) não se reelegem".
Ou mudou a cidade? - Para a também cientista política e professora universitária Clara Versiani dos Anjos, junto com a derrocada mundial da esquerda, Santos passa a vivenciar uma desarticulação dos movimentos sindicais, sufocados pela ditadura militar a partir dos anos 60.
Já na década de 90, transformações econômicas - como a privatização do Porto - provocam a migração de parte da população a municípios vizinhos e consolidam Santos como uma cidade majoritariamente de classe média.
Clara acredita que a esquerda local foi incapaz de adequar seu discurso a essas mudanças. "Em 2004, por exemplo, já não tinha tanto sentido você falar em policlínicas quando boa parte do eleitorado tinha planos privados de saúde".


No início de agosto de 1983, santistas lotaram a Praça Mauá e ocuparam as escadarias do Paço para comemorar o restabelecimento da autonomia
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Ex-vereador responsabiliza ditadura
Vereador de 1977 a 1982, Luiz Norton Nunes registrou em ata o momento em que, segundo ele, as cores da cidade começaram a mudar: o vácuo entre 1969 e 1984, quando, declarado área de segurança nacional, o Município perdeu a autonomia política (a população ficou privada do direito de eleger seu prefeito e o interventor era escolhido pelo regime militar).
Ao final de um simpósio sobre a autonomia dos municípios realizado na Câmara Municipal em 1980, o então líder do PMDB relata em sua carta de princípios: "As cidades ingressam em acelerado processo de empobrecimento assim que seus moradores não podem mais escolher livremente seus dirigentes, e a população deixa de se interessar e de participar do processo político, preferindo manter-se alienada".
Norton, que militou na advocacia sindical por quase 30 anos, lembra que as entidades eram o principal foco de mobilização política na era pré-militar. "Depois, além da repressão, as leis ficaram mais abrangentes e os sindicatos ficaram com um campo de ação muito restrito".
"Ficou claro que o capitalismo não trouxe a felicidade prometida. Temos que encontrar outro caminho". 

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