terça-feira, 4 de agosto de 2015

KENJI KIRA KIRA, O JAPONÊS QUE FOI PREFEITO DE COTIA



Transcrevemos do site Migalhas: dr. Pintassilgo.
Kenji Kira Kira. Muitos já ouviram falar, vagamente se lembram de algumas coisas. 
Foi o único prefeito japonês de Cotia. 
Alguns falam, foi cassado, alguém cochicha baixinho, até torturado parece que foi, era época da ditadura militar. 
Poucos ou quase ninguém sabe realmente o que aconteceu com Kira-san. 
A história que é contada pelos vencedores, essa que aprendemos nas escolas, nem sempre encerra a verdade dos fatos. Muitas vezes o subterrâneo, o bastidor da realidade nos contam coisas que são a verdadeira história de uma época.
Kenji Kira nasceu em Cotia no dia 15 de novembro de 1932. Dia da proclamação da República. Ano de uma revolução constitucionalista (em que os paulistas queriam se separar do resto do país). 
Quantas emanações planetárias libertárias incidiram sobre esse escorpiniano, nativo de uma Cotia essencialmente agrícola, construída com a força do trabalho de imigrantes, principalmente japoneses, muitos recém-alforriados do contrato de 4 - 5 anos de empreiteiras que os traziam do Japão, onde pagavam pela viagem de navio com trabalho em condições degradantes. 
Alguns morriam de maleita, outros até debilitados pela subnutrição. O que ganhavam mal pagava a comida, e muitas vezes, findo o contrato, pediam demissão, mas os fazendeiros não queriam que os colonos japoneses saíssem, e muitos tinham que fugir para algum local e tentar começar a vida do nada, contando apenas com sua força de trabalho. 
Essa geração foi a do pai de Kira, Tomekiti Kira que apostou em terras brasileiras, que nasceu no Japão e veio ao Brasil com 12 ou 13 anos, no segundo navio, Kasato Maru. 
Era proveniente da cidade de Ino, província de Koty. Veio adolescente e aprendeu a falar a difícil língua da terra, o português, com o capataz na fazenda de café, na região de Ribeirão Preto, Guatapará. 
No meio da roça plantava verdura, para conseguir 1 casal de galinhas para comprar, andava uma noite inteira. Findo o contrato o patrão não liberava, não pagava o que devia, o pai de Kira fugiu e pegou o trem que ia até Itapevi. Veio até Cotia, onde acabou ficando. 
Era 1921, 1922, a estrada que cortava Cotia era a Estrada Velha, Kira pai produziu batata e ia vender no mercado de Pinheiros. Despachava a carga às 17 horas de um dia, e no outro dia pegava o cavalo às 4 da manhã rumo ao mercado para negociar a mercadoria.
Foi Kira pai, com Shimomoto, que trabalhou para montar cooperativa, CAC no Moinho Velho; depois saiu. 
Kenji Kira lembra-se do difícil período de 1932 a 1945, quando foram muito agredidos no Brasil mesmo após a guerra. Lembra-se do Shindo rem-mei - os próprios habitantes da colônia, que moravam no Brasil, não acreditavam que o Japão perdeu a guerra e agrediam quem falasse sobre isso; eram fanáticos adoradores do Império do Sol Nascente, fiéis ao Imperador. 
Houve também muita represália dos brasileiros contra os japoneses por causa da guerra. Kenji lembra de imagens da infância com o assoalho de sua casa sendo arrancado por soldados, um deles levou um carro do pai "na maior".
Kira filho fala de Cotia, acha que têm uma bonita história, começa com briga no pátio do Colégio dos Pires contra os Camargos. 
Kira foi o único prefeito japonês desta cidade tão nipônica que é Cotia. 
Foi eleito vereador em 1960. Em 1964, ainda na Arena, foi vice-prefeito. Naquela época o salário público era irrisório, a Câmara de Vereadores era na casa ao lado da atual, onde hoje é o despachante. 
Em 1968 foi eleito prefeito pelo PSP, bem na segunda fase da ditadura militar de 1968-1972. Passou uns bons percalços, que todo bem intencionado na política, de peito aberto, costuma passar. 
Fez escola de aeronáutica, formou-se em Administração Pública, pela Fundação Getúlio Vargas. 
Kira, esse prefeito de vanguarda elaborou à custa do próprio bolso, em pleno 1971, um plano diretor de desenvolvimento integrado, custeando a vinda de técnicos, com grande apoio do sr. João Soares, do São Fernando Golf Club. Esse plano previa planejamento e revisão efetiva das questões como educação, vias de acesso, transporte e saúde. 
Os vereadores de época não entenderam nada, e não aprovaram o projeto. 
Amador Aguiar editou um livro sobre Kira prefeito. 
Numa época em que os japoneses da zona rural, confinados, isolados da sociedade brasileira, tinham os mais velhos dominando a família com pulso firme, deixando os filhos retraídos, Tomekiti Kira era diferente. 
No campo agrícola foi um baluarte, fez a estação experimental na Fazenda de Itapetininga. Mantinha em Pinheiros uma máquina de beneficiar arroz, tinha a Nipaku Bussanka Bushiki Gaisha, fazia quirera, fubá. Criou gado, produziu leite.
O primeiro intercâmbio cultural de Cotia com Koty-Ken surgiu quando o governador de Koty-Ken veio visitar o Brasil em 1968, passando por São Paulo e estendendo a visita à Cotia, para visitar os Kira, pois era primo do pai. 
Veio nesta a visita também o prefeito da cidade de Ino e um vereador. Houve uma recepção na casa dos Kira, para uns 150/ 200 japoneses de Cotia, que eram daquela província, prestigiar o governador e ouvir notícias de lá, ver fotos. Houve discurso do presidente da CAC, o governador de Koty falou sobre possibilidade de mais intercâmbio, Cotia-Koty. Prefeito de Ino referendou no discurso, aproveitando também a presença de um vereador de lá que estava presente, sugerindo ao colega japonês que apresentasse a mensagem à Câmara. 
O Prefeito Ivo fez idem, Kira era vice na época e foi no Japão assinar o Tratado Cultural, Brasil-Japão, custeado por dinheiro dele mesmo.
Kira iniciou o mandato de prefeito, no meio do caminho foi cassado e afastado por 60 dias, recorreu ao Supremo Tribunal, onde foi absolvido por sentença de 10 a 0. Voltou e cumpriu o seu mandato até o fim. 
Kenji faleceu em 25 de maio de 2013, com 81 anos. 
Pensamento dele: ----- "Respeito a comunidade e gosto daqui. Existe um ditado japonês que diz: paraíso é onde você mora, onde você convive, e não onde você nasceu."

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