quarta-feira, 21 de setembro de 2016

MEMORIAL DE ALFREDO GUEDES. ONDE FICA ESSE LUGAR?

30/08/2015 06:45 - Regional
Memorial resgata história do Distrito de Alfredo Guedes.
Alfredo Guedes tem um espaço cultural com peças antigas e fotografias.
Rita de Cássia Cornélio
Fotos: Éder Azevedo
 


Fotos de jardineira e louças antigas estão no Memorial de Alfredo Guedes.

O Distrito de Alfredo Guedes, próximo a Lençóis Paulista, guarda um tesouro histórico e cultural. O espaço batizado de Memorial Alfredo Guedes completou um ano e seu acervo contabiliza 400 peças, todas doadas pelos moradores da área rural e urbana e pelos lençoenses.
Bucólico beirando o nostálgico, Alfredo Guedes é um pequeno povoado que agrega cerca de mil pessoas contabilizando a área rural. Tem uma estação ferroviária abandonada como na maioria das cidades da região e casas simples, algumas centenárias. A movimentação de carros é pequena e em determinados horário, não há ninguém nas ruas.
A tranquilidade do povoado é quebrada poucas vezes no ano, especialmente em agosto quando acontece uma festa religiosa que une a religião, a cultura e a gastronomia. Tem dois coretos em praças diferentes, escola, posto de saúde, rodoviária, biblioteca e um “punhado” de histórias e lendas a contar.
O diretor de Cultura de Lençóis Paulista, Nilceu Bernardo, conta que, no final da década de 50, mais ou menos o distrito era conhecido como Capela de Areia Branca. “Foi construída uma capela que deu origem ao povoado como o que aconteceu nas cidades e municípios. A construção ficou a cargo dos jesuítas. Após a saída dos religiosos, as terras foram loteadas e compradas por fazendeiros. O destaque foi o café. Tivemos mais de 200 mil pés nas fazendas do entorno,” conta.
O distrito chegou a ter até cartório. “As pessoas foram se agregando, em alguns momentos, o distrito teve mais atividades do que a cidade de Lençóis Paulista. Na igreja tem registros de muitos casamentos. Aqui eram realizadas festas religiosas e sociais. São duas capelas que pertencem a paróquia de Nossa Senhora Aparecida de Lençóis, a São Bom Jesus e a de São Benedito.”
Na capela São Bom Jesus tinha uma imagem em madeira esculpida. “Essa imagem foi trazida para cá por um fazendeiro. Ela foi restaurada e está no memorial. As duas capelas mostram um pouco da característica de Minas Gerais e de grandes centros. Uma delas atendia a comunidade branca e a outra, a comunidade negra e trabalhadores. Isso se tornou uma tradição, tem lendas em torno disso,” conta Nilceu Bernardo.

Povo ativo
A memória da cidade de Lençóis Paulista se confunde com a história das fazendas de cultivo de café e do distrito de Alfredo Guedes, enfatiza o diretor de Cultura, Nilceu Bernardo. “É um distrito com uma população ainda fixa, ativa nas ações culturais e precisava ter um braço do Museu Alexandre Chitto. O museu tem um dos acervos mais ricos da região, bastante diverso com mais de quatro mil peças significativas. Precisávamos de um braço que pudesse falar das fazendas, das famílias, da tradição e do período econômico. Da ascensão e queda do café.”
O calçamento das ruas foi mantido todo em paralelepípedo.
 
Lendas têm início com procissões
Em agosto, fiéis da Capela de São Bom Jesus e da igreja São Benedito saiam em cortejos diferentes até que um dia uma tempestade uniu as duas.


Igreja de Alfredo Guedes, localidade de forte tradição religiosa, distrito é tranquilo e guarda a tradição de um passado próspero dos tempos da cafeicultura.

O distrito de Alfredo Guedes é recheado de lendas. A mais antiga delas nasceu com as procissões religiosas realizadas em agosto pelas duas capelas. A capela de São Bom Jesus, focada na comunidade branca e a de São Benedito atendia aos trabalhadores e aos negros faziam procissões separadas. Em uma delas, o andor carregando São Bom Jesus saiu primeiro. Na sequência, saiu o andor da igreja São Benedito.
“De repente veio uma tempestade daquelas que assusta todo mundo. Eles acharam que era um sinal para que ambos os andores caminhassem juntos. Hoje, nas procissões e na festa que acontece no mês de agosto, os andores saem juntos”, conta o diretor de Cultura de Lençóis Paulista, Nilceu Bernardo.
A festa deste ano aconteceu no começo do mês no primeiro final de semana. “Os andores saíram juntos. A missa aconteceu na Capela de São Benedito e depois veio em procissão com o tradicional coro dos anjos jogando pétalas pelas ruas e com a banda de música sempre acompanhando. Terminou com a procissão na capela de São Bom Jesus.”
Outra história contada em forma de lenda pelos moradores de Alfredo Guedes é da filha do coronel Joaquim Anselmo Martins, Francisca Martins. Moça muito católica, centrada ela queria ser freira. Foi estudar em Botucatu em um colégio de freiras. Por motivo de saúde, ela retornou para a fazenda Fartura, que era de seu pai.
“Ela teve uma grave gripe pulmonária, conforme era chamada na época. Ficou muito debilitada, sem se comunicar por vários dias. Não falava, ela só mostrava a foto de sua primeira comunhão. A família entendeu que ela queria a presença de um padre”, comenta Conceição Langoni, coordenadora Educacional das Ações Culturais e Pedagógica do Museu Alexandre Chitto.
O padre foi levado até a filha do fazendeiro e deu a extrema-unção à moça. “Ela se confessou e surpreendentemente voltou a falar. Pediu para mãe que abrisse a janela do quarto no dia seguinte às 8h da manhã. Ninguém entendeu mas atenderam ao pedido.”
No dia seguinte ao pedido, exatamente às 8h quando a janela foi aberta, Francisca começou a falar que Nossa Senhora estava iluminada lhe chamando. “Que a santa teria ido te buscar. Todos ficaram comovidos porque viram que ela morreu nesse horário com uma expressão de serenidade muito grande.”

O crime que marcou a história
Uma árvore teria sido o motivo das discussões que culminaram com a morte de pai e filho, nos anos 30 em Alfredo Guedes, conta Conceição Langoni. “Houve um crime que se tornou lendário envolvendo a família Maluf e o feitor da estrada de ferro. No limite da ferrovia e a casa do comerciante tinha uma árvore que era disputada por ambos. Um dizia que estava no limite dele e iria cortar. O outro, alegava que a árvore estava na sua propriedade e não permitia o corte.”
Entre o comerciante e o feitor surgiu uma discussão e de repente eles partiram para uma briga. “O filho do comerciante resolveu apartar. O feitor muito envolvido pegou uma foice ou picareta e desferiu um golpe no pai e no filho. O filho morreu no local e o pai foi internado na cidade de Agudos. Ficou vários dias lá, não resistiu e morreu. Depois disso a família muito triste resolveu ir embora para os Estados Unidos. Eles tinham parentes lá. Anos mais tarde a família voltou e foi morar em Bauru.”

Busca pelas peças é um passeio nostálgico


Conceição Langoni percorreu muitas propriedades rurais para conseguir o acervo.

Para montar o Memorial de Alfredo Guedes, Conceição Langoni e Célia Motta puseram rodinhas nos pés e rodaram muitas propriedades rurais. “Fizemos uma visita de conscientização, explicando o trabalho e fazendo o corpo a corpo com os moradores das fazendas para que essas pessoas percebessem o valor dessas peças no Memorial. Só assim elas seriam preservadas. Elas ficavam ressabiadas.”
Na primeira visita foi explicado que as peças doadas iriam para o Memorial e através delas as pessoas mais novas poderiam conhecer a história passada. “Pedimos peças antigas, peças de vestuário, objetos domésticos de uso do campo que fizeram parte de uma época. Para fazer esse trabalho de arrecadação para montagem do Memorial, eu contei com a colaboração de uma pessoa, a Célia Motta. Ela é moradora do distrito e conhece as fazendas da região.”
O processo de montagem do Memorial foi um trabalho documentado. “Fizemos toda documentação. Registramos cada peça com um número e depois catalogamos. O processo de aquisição de peça através de doação tem cópia e assinatura do doador. Quando eles perceberam a seriedade do nosso compromisso eles começaram a doar. Teve doador que ligou depois da visita para irmos buscar peças. Ver um espaço como esse nascer, não tem nada mais prazeroso. Em menos de dois meses a gente conseguiu montar.”
Um ano depois da montagem contabilizamos 400 peças e 1.517 visitas. “É um espaço curto de tempo para esse número de visitantes. A tendência é receber mais peças. As famílias perceberam a importância de ter um lugar onde a história fique preservada. Os documentos foram digitalizados.”

Exposição ‘Lençóis Viva’ visita Memorial
As redes sociais estão servindo de ferramenta de resgate da história. Um grupo do Facebook fez uma campanha junto aos moradores e resgatou fotos e histórias da cidade. O trabalho ficou tão significativo que foi transformado em exposição.
A população de Lençóis Paulista viu a exposição no Museu Alexandre Chitto e no mês de agosto, a população de Alfredo Guedes foi contemplada. Segundo Nilceu Bernardo, a exposição resgatou fotos de família da cidade, da abertura das estradas, dos passeios, de comemorações de 40, 50 e 60. “São imagens legendadas que relembram uma época. É um passeio pela memória de Lençóis.”


Memorial preserva peneiras utilizadas na colheita do café

Tulha tem 100 anos
O imóvel que abriga o memorial Alfredo Guedes possui uma tulha original com mais de 100 anos. Nela estão expostos instrumentos agrícolas, material de serralheria, lavoura, peneiras, instrumentos puxados por animais para arar a terra, roda de carroça, tonéis de conservação, embalagens. Há facão de roça, foice, balanças, todo material usado para a colheita, para acondicionamento e para trâmite comercial.

Vocação do distrito é ser guardião do passado
No passado, no auge da cafeicultura, no local havia comércio forte e cartório.


Distrito tem Memorial Cultural que preserva a cultura e a história do local.

Alfredo Guedes já foi um local próspero. Tinha cartório, estação ferroviária, farmácia, loja de tecido dentre outros estabelecimentos comerciais. A crise do café aliada ao fim da ferrovia tornou o distrito sinônimo de decadência econômica. O resgate da história que culminou com a criação do Memorial mudou o foco. Atualmente, os moradores têm orgulho do local onde nasceram, cresceram e ainda moram.
Célia Regina Motta nasceu, cresceu e ainda mora em Alfredo Guedes. “Minha mãe tem 83 anos nasceu aqui, meu avô nasceu em 1895 numa fazenda aqui pertinho e meus antepassados, por parte de mãe, estão nessa região bem próxima daqui desde meados de 1.800. Até pouco tempo, o distrito era marcado pela decadência econômica. Agora temos orgulho de nossa história. Foi uma grande sacada. Descobrimos que a vocação daqui é histórica e cultural.”
A descoberta aconteceu há pouco mais de um ano quando o diretor de Cultura de Lençóis Paulista, Nilceu Bernardo, falou sobre a ideia com a moradora. “Foi uma surpresa. Brincando disse a ele de imediato que em casa tinha um acervo de fotos. Fomos buscar junto à população urbana e rural as peças que poderiam contar a história e fazer parte do acervo do Memorial. O pessoal se interessou muito além da proposta. Em dois meses de arrecadação conseguimos montar a casa que é onde está até hoje. As peças continuam chegando até nós. Fizemos a primeira reunião em 10 de junho do ano passado. Inauguramos o Memorial em 10 de agosto do mesmo ano.”
Na opinião dela, foi dado um pontapé inicial. “Se o projeto for levado a sério com garra, vamos ter sucesso”. Um ano se passou e o Memorial foi visitado por mais de 1.500 pessoas. “O resgate não é pequeno. Tudo o que se fala sobre avanço tecnológico, empresarial e industrial é pequeno diante disso. Hoje sinto orgulho. Criamos um face e um blog. No Facebook somos: memorialalfredoguedes.com.br e no blog: memorialalfredoguedes. blogspot.com.”

Célia Motta frisa que hoje existem pouquíssimas famílias que ainda moram no distrito. “Que sejam historicamente daqui tem poucas. Dá para contar nos dedos de duas mãos. Muita gente foi embora. Na comemoração de um ano do Memorial recebemos poetas lençoenses, escritores e pessoas com um olhar mais apurado culturalmente.”
A história da família Helene foi um marco em Alfredo Guedes, lembra a moradora. “Era uma família muito diferente das outras. Eles vieram de São Paulo. O pai era um fazendeiro, empreendedor tinha muito dinheiro. Mas os filhos não se interessaram e houve uma certa decadência econômica na propriedade rural que ainda existe.”
Segundo o neto dele, José Rubens Helene Martins, a primeira máquina que deu origem a patente do descascador de café foi o avô dele que inventou, o Alfredo Helene. “As moças tinham educação diferenciadas das daqui. Elas tocavam piano, eram extremamente cultas. Eles tinham nível de vida financeiro e cultural muito diferenciado.”
Na família teve uma morte misteriosa. O corpo da matriarca foi encontrado em uma curva do rio Lençóis Paulista bem abaixo. “Não se sabe até hoje o que aconteceu. É um mistério que tem assombrações pelo meio e que virou lenda. É uma vocação do distrito que está latente, pronta para acordar.”

Imagem de São Bom Jesus foi restaurada
A imagem de São Bom Jesus de 1926 esculpida estava danificada quando foi doada ao Memorial. “Ela foi restaurada por Maria da Silva Paccola, uma restauradora de Lençóis Paulista. É uma das peças mais importantes do memorial. Foi doada pela família de Elaine Zafani que tinha pego para guardar da capela,” explica Nelseu Bernardo.
Alfredo Guedes também teve seus dias de glória no esporte mais popular do Brasil. “Aqui tinham times de futebol que disputavam campeonatos no campo da fazenda Fartura. Vinham times de Bocaina, Lençóis e cidades da região. Temos muitas fotos e estamos pedindo a colaboração da população para decifrar a identidade dos jogadores.”

Governador visitou fazenda


Casa onde morou o coronel Joaquim Anselmo Martins na fazenda Fartura recebeu até visita do governador Adhemar de Barros.

A fazenda Fartura do coronel Joaquim Anselmo Martins teve muita importância no Distrito de Alfredo Guedes. “Ele atuava como protetor de toda a comunidade em torno da fazenda. Eles tinham tanto respeito que chegaram a recepcionar o governador da época, Adhemar de Barros. Da propriedade rural, saiu na década de 50 a atual imagem da Nossa Senhora da Piedade. A peça foi feita num ateliê da Itália, por um reconhecido escultor e veio para a fazenda Fartura de onde saiu em procissão para atual santuário de Lençóis Paulista.”

Serviço
Memorial de Alfredo Guedes abre duas vezes por semana. 
Às terças e quintas-feiras das 8h às 17h. 
No primeiro domingo do mês fica aberto das 9h às 12h. 
Entrada franca.
 
Fonte: JCNET.com.br
 

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