sábado, 2 de janeiro de 2016

LEMBRANÇA SOBRE O CINEMA DE CERQUILHO

Antigo Cinema São Francisco, de Cerquilho; do livro sobre a cidade de Cerquilho.
E por falar em cinema...

Parte da minha infância e toda a adolescência foram marcadas por cinemas e filmes. Período próspero da indústria cinematográfica no exterior e aqui no Brasil, vivemos, nas décadas de 1950 e 1960 até o final dos anos 1970, a fase de ouro dos cinemas de rua.
Encontrei em um blog sobre cinemas de rua de 1960 as seguintes informações: Fundado em 1951, Cine Teatro São Francisco de Cerquilho, da Prop. Emp. C.A. Stape Ltda., Rua Dr. Soares Hungria, 220, com 350 lugares, dois aps de 35m/m, funcionando quatro dias na semana, média anual de 256 sessões e 26.360 espectadores.
Cidade de pequeníssimo porte, Cerquilho já tinha, em 1951, o seu cinema com público fiel. Era lá que nós, crianças e adolescentes da época passávamos nossas tardes de domingo. Os filmes das sessões noturnas eram classificados por faixas etárias de 14, 18 e 21 anos e o juizado de menores era dos mais severos, sempre de plantão no pequeno saguão de entrada, a conferir nossos documentos antes de chegarmos às cortinas vermelhas. Que mico ter que devolver bilhetes por falta de alguns meses na idade!
Adorávamos os faroestes americanos e italianos – lembro-me bem das cintas-ligas pretas e vermelhas das bailarinas do Velho Oeste e das maravilhosas trilhas sonoras de Ennio Morricone como a do filme The good, the bad and the ugly, com Clint Eastwood jovem e bonitão, Lee Van Cleef e Eli Wallach.
Ocorria muitas vezes de sairmos de Cerquilho para assistir a filmes em cinemascope no majestoso Cine Bandeirantes de Tietê, pois em nosso cinema não havia a tela apropriada.
Das nossas matines no Cine São Francisco, não dá para esquecer de Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo e Zé Trindade, O Gordo e o Magro, Charles Chaplin e algumas importantes produções nacionais como Vidas Secas e O Pagador de Promessas.
Saímos do cinema com nó na garganta e olhos úmidos de lágrimas quando assistimos a Marcelino Pão e Vinho e, numa tarde quente de domingo, passaram, com a cantora argentina Libertad Lamarque, um drama antigo e sinistro, tão triste que tive sérios enjoos. Até hoje tenho tonturas ao ouvir a bela voz da cantora. Não fui a única, a meninada toda saiu do cinema séria e cabisbaixa. É óbvio que preferíamos os bangue-bangues, as chanchadas do cinema nacional e as belas produções dos anos 60 e 70.
Às imagens e aos ritos do cenário do nosso cinema acrescento, com saudades, a moça da bilheteria, a postura elegante do gerente, as lentes do juiz de menores, o lanterninha que nos conduzia no escuro até as poltronas, o técnico de projeções e o som dos projetores na parte superior da sala. Inúmeras vezes, por falha técnica ou nas fitas muito rodadas, as projeções eram interrompidas e acendiam-se as luzes. Imaginem o fuzuê: casais de namorados com sorrisinhos indisfarçáveis, ui!
Nosso pequeno mundo era invadido por cavaleiros, heróis de guerras, lindas heroínas românticas, santos, comediantes, cantores e gente comum como nós, com tanta coisa nova a nos mostrar e dizer, cheirinho de drops de anis e hortelã, chicletes de banana e a deliciosa pipoca quentinha do Sr. Antoninho Ferrari. Quem viveu a experiência sabe do que estou falando! Elvis Presley nos deixou lembranças incríveis. Quanta inveja do cantor sentiam os rapazes ao verem suas meninas prediletas em delírios quando o astro do rock’n’ roll aparecia na tela com suas calças justas, tocando guitarra, dançando e cantando. Sua linda voz e olhar romântico deixavam as plateias femininas endoidecidas. E tomem ovos! Alguns mais furiosos chegaram a atirar ovos em direção das frenéticas garotas. É desaconselhável e de mau gosto atirar ovos em alguém, mas éramos uma grande família em nossa pequenina cidade e ninguém ficou magoado, sem contar que era muito mais divertido ver a performance de Elvis na tela com os garotões se contorcendo de ciúmes nas poltronas. 
Coisa de cinema, não há dinheiro que pague a pureza dessas endorfinas!
Texto de Regina Gayotto publicado no blog homônimo em 28 de fevereiro de 2014 e na Revista Vitrini - Fevereiro de 2014

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