OS SUBMERSOS
"Poetas amigos que eram
"Poetas amigos que eram
placa de rua em Rubinéia:
que tal a vida aí em baixo do lago?
A princípio é meio estranho, não?
Compreendo, depois a gente se habitua.
Nenhuma casa em que moramos
se entrega imediatamente.
É preciso entendê-la, conquistá-la.
E casa de água, então?
Uma rua de água,
placa indicando esquina de água
a transeuntes peixes.
Não é todo dia que um objeto
destinado a servir debaixo do sol
se encontra em semelhante situação.
Já sei, poeta Bandeira,
que você está rindo,
achando graça no desconforto líquido,
captando com olhar agudo
a mobilidade de tons diferentes de água
para lhes atribuir correspondência verbal.
E você, poeta Cecília,
o que conta dessa viagem às vidas submersas,
às Holandas hidroelétricas,
país de água de Ilha Solteira
que romanceiro algum ainda não cantou?
Está conferindo o verde de seus olhos
com esse verde piscina?
Olha: aquele velhinho ali foi seu vizinho
aos tempos de Cosme Velho.
Uma reverência a Machado de Assis,
mesmo em camadas profundas,
precisamente belas,
é de bom preceito.
O ácido Graciliano está mais adiante
e ainda não se conformou em ser nome de rua.
Acha que tudo isso é palhaçada.
Não importa.
Se os nomes falam entre si,
as placas também dialogam
e a dele tem um bom papo
de quem viveu momentos fortes e,
como ele,
sabe comunicar-lhes a emoção em linguagem ríspida.
A represa não é um cárcere,
como aquele em que o romancista ruminou
por faltas não cometidas.
É uma nova Rubinéia,
isentadas limitações municipais da superfície.
Sem trânsito de veículos assustadores,
sem impostos, papéis, discursos, notícias,
bases mil, que toda cidade se corta.
Percebo, afinal,
essa é a Pasárgada de Manuel Bandeira,
oculta em oito milhões de metros cúbicos de água.
Eis aí, meus caros amigos:
a vocês uma boa sorte e muito progresso e alegria."
Carlos Drummond de Andrade
Poema escrito em 1973 em homenagem às placas de ruas submersas em Rubinéia.
Por que submersas?
A falta de chuva e a consequente baixa do volume de água do rio Paraná trouxeram à tona as ruínas da antiga Rubinéia, inundada em 1973, após a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira.
Restos de construções que ficaram no fundo do rio reapareceram, atraindo visitantes e trazendo lembranças de uma cidade que literalmente precisou “trocar” de lugar.
Um bar chamado “Fecha Nunca” pode ser considerado a pedra fundamental daquilo que viria a ser a antiga Rubinéia.
O local era a última parada dos trens da Estrada de Ferro Araraquara, no fim da década de 30. Dali para frente, só com as balsas para fazer a travessia do rio com destino ao Mato Grosso do Sul.
Fundada em 3 de outubro de 1951, Rubinéia ganhou este nome graças ao dono das terras, Rubens de Oliveira Camargo.
“A outra parte é por causa de dona Néia, mulher de Rubens. É uma homenagem”, conta o secretário de Turismo, Carlos Fernando da Silva.
Rubinéia era conhecida como a “Cidade dos Poetas”por levar em algumas de suas ruas o nome de grande poetas e escritores brasileiros.
O mineiro Carlos Drummond de Andrade, após a inundação, homenageou a população de Rubinéia com o poema “Os Submersos”.
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