sábado, 3 de outubro de 2015

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE FEZ POEMA PARA A CIDADE DE RUBINÉIA

                                     OS SUBMERSOS

"Poetas amigos que eram 
placa de rua em Rubinéia: 
que tal a vida aí em baixo do lago? 
A princípio é meio estranho, não? 
Compreendo, depois a gente se habitua. 
Nenhuma casa em que moramos
se entrega imediatamente. 
É preciso entendê-la, conquistá-la. 
E casa de água, então? 
Uma rua de água, 
placa indicando esquina de água 
a transeuntes peixes. 
Não é todo dia que um objeto 
destinado a servir debaixo do sol 
se encontra em semelhante situação.
Já sei, poeta Bandeira, 
que você está rindo, 
achando graça no desconforto líquido, 
captando com olhar agudo 
a mobilidade de tons diferentes de água 
para lhes atribuir correspondência verbal. 
E você, poeta Cecília, 
o que conta dessa viagem às vidas submersas, 
às Holandas hidroelétricas, 
país de água de Ilha Solteira 
que romanceiro algum ainda não cantou? 
Está conferindo o verde de seus olhos 
com esse verde piscina? 
Olha: aquele velhinho ali foi seu vizinho 
aos tempos de Cosme Velho. 
Uma reverência a Machado de Assis, 
mesmo em camadas profundas, 
precisamente belas, 
é de bom preceito. 
O ácido Graciliano está mais adiante 
e ainda não se conformou em ser nome de rua. 
Acha que tudo isso é palhaçada. 
Não importa. 
Se os nomes falam entre si, 
as placas também dialogam 
e a dele tem um bom papo 
de quem viveu momentos fortes e, 
como ele, 
sabe comunicar-lhes a emoção em linguagem ríspida. 
A represa não é um cárcere, 
como aquele em que o romancista ruminou 
por faltas não cometidas. 
É uma nova Rubinéia, 
isentadas limitações municipais da superfície. 
Sem trânsito de veículos assustadores, 
sem impostos, papéis, discursos, notícias, 
bases mil, que toda cidade se corta. 
Percebo, afinal, 
essa é a Pasárgada de Manuel Bandeira, 
oculta em oito milhões de metros cúbicos de água. 
Eis aí, meus caros amigos: 
a vocês uma boa sorte e muito progresso e alegria."
Carlos Drummond de Andrade
 
Poema escrito em 1973 em homenagem às placas de ruas submersas em Rubinéia.
Por que submersas? 
A falta de chuva e a consequente baixa do volume de água do rio Paraná trouxeram à tona as ruínas da antiga Rubinéia, inundada em 1973, após a construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. 
Restos de construções que ficaram no fundo do rio reapareceram, atraindo visitantes e trazendo lembranças de uma cidade que literalmente precisou “trocar” de lugar. 
Um bar chamado “Fecha Nunca” pode ser considerado a pedra fundamental daquilo que viria a ser a antiga Rubinéia.
O local era a última parada dos trens da Estrada de Ferro Araraquara, no fim da década de 30. Dali para frente, só com as balsas para fazer a travessia do rio com destino ao Mato Grosso do Sul. 
Fundada em 3 de outubro de 1951, Rubinéia ganhou este nome graças ao dono das terras, Rubens de Oliveira Camargo. 
“A outra parte é por causa de dona Néia, mulher de Rubens. É uma homenagem”, conta o secretário de Turismo, Carlos Fernando da Silva.
Rubinéia era conhecida como a “Cidade dos Poetas”por levar em algumas de suas ruas o nome de grande poetas e escritores brasileiros. 
O mineiro Carlos Drummond de Andrade, após a inundação, homenageou a população de Rubinéia com o poema “Os Submersos”.

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